quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

UM POEMA DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA

ALMOFADA ZOOM

Daquele mapa d'estradas atrás da porta
do nosso quarto, umas vezes parece-me ver
terra caindo nos tacos do soalho inocente,
papoilas e rosmaninho rompendo
para a ofuscante luz dos teus como nenhuns
olhos. Uma roda desperta, esmagando
um dedo da memória. E num aparente destino
ficou tão pequenino, a caber inteiro
na almofada. Outras vezes, avisto

linhas rectas paralelas cruzadas em brita,
alcatrão queimado com o seu cheiro
a esconder o cheiro de sangue dos cadáveres,
o verde do mapa e aquele cabrão
a dirigir-se à Andaluzia. Já não importa.

Agora estou contigo e tu levas-me
prò fim do longe onde ainda nada
nasceu sequer parecido com amor.

Então ficas tremendamente maior
que o quarto onde o teu mamilo
se torna a minha almofada.


Jorge Aguiar Oliveira, in Homens Sem Soutien, Poesia 1983-1999, Edição do autor, Julho de 2002, p. 54. Do mesmo autor, poema seguido de apontamento (aqui,) leitura do livro João Alves (aqui), leitura do livro Ranço (aqui).

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