sábado, 10 de fevereiro de 2018

CAFÉ BERKANE

Soube exatamente qual a mesa que queria. Estava atrás da porta, ao lado da janela, isolada. Muitas vezes ele viera até aqui quando não estava a trabalhar e ficara sentado uma tarde inteira, embalado pelo estridor e a música vindos das outras salas num estádio de vago êxtase, enquanto contemplava o pequeno lençol de água do lado de fora da janela. Era aquele feliz estado de espírito em que o povo dele se conseguia projetar tão facilmente — a mera ausência de preocupações desagradáveis e imediatas poderia iniciá-lo, e uma paisagem que incluísse o mar, um rio, uma fonte, ou qualquer coisa que ocupasse o olho sem envolver o espírito, dava azo a sustentá-lo. Era o mundo por detrás do mundo, onde a reflexão evita a necessidade de ação, e a calma que todas as coisas procuram na morte aparece brevemente na forma de contentamento, o espírito por fim persuadido de que as águas calmas da perfeição são alcançáveis. Os pormenores da vida mercantil e as considerações financeiras pessoais que são disparadas como foguetes através dos escuros céus deste cosmos interior servem apenas para lhe dar escala e para lhe enfatizar a vastidão, sem de modo algum perturbarem a sua suprema tranquilidade.


Paul Bowles, in A Casa da Aranha, trad. Jorge Pereirinha Pires, Quetzal Editores, Julho de 2014, pp. 178-179.

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