quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

SAMUEL TAYLOR COLERIDGE


Devemos a uma pequena editora, de seu nome Edições do Saguão, o ter recuperado a tradução de Alberto Pimenta (n. 1937) para The Rime of the Ancient Mariner In Seven Parts (1.ª edição, 1798), poema emblemático de Samuel Taylor Coleridge (n. 1772 – m. 1834) que, nesta versão, surge com o título apropriado A Balada do Velho Marinheiro (Edições do Saguão, Setembro de 2017). Noutras versões, onde agora surge o conceito de balada surgia antes rima ou conto. Ao contrário de outros românticos ingleses, tais como William Wordsworth (n. 1770 – m. 1850), Lord Byron (n. 1788 – m. 1824), Percy Bysshe Shelley (n. 1792 – m. 1822) ou John Keats (n. 1795 – m. 1821), Coleridge parece não ter merecido a atenção que lhe era devida. Talvez isso se deva, em parte, ao distanciamento do próprio autor face a alguns princípios românticos ditados por Wordsworth no prefácio à segunda edição de Lyrical Ballads with a Few Other Poems. De notar que se The Rime of the Ancient Mariner abriu a primeira edição das Lyrical Ballads, na segunda foi remetido para a vigésima terceira posição (depois de ter sido objecto de críticas impiedosas).
Sobre o projecto comum das Lyrical Ballads, conta Samuel Taylor Coleridge, no capítulo 14 da sua Biographia Literaria (seguimos a selecção de Jorge Bastos da Silva para a Deriva Editores, Outubro de 2012), que o plano da composição da obra compreendia uma distribuição de duas espécies de poemas. Coleridge ficaria com aqueles que versassem situações sobrenaturais, ao passo que Wordsworth se encarregaria das coisas do quotidiano. A Balada do Velho Marinheiro surgiu, desta forma, com um propósito específico, determinado por discussões acerca da natureza da poesia e, por consequência, da composição de um poema.  Fortemente influenciado pela filosofia kantiana, mas também pelo imaterialismo de Berkeley, Coleridge é um bom exemplo inglês daquilo que na Alemanha aproximou o idealismo do romantismo. Completamente alheio ao ateísmo de um Shelley, demarcando-se do empirismo inglês, Coleridge antevê na criação artística uma reconciliação do espírito com a natureza. Nele, o poeta distingue-se em absoluto do homem vulgar. Será também neste sentido que as suas discordâncias com Wordsworth tomarão forma, na medida em que não aceitava a tese de uma dicção poética exclusiva ou preferencialmente colhida no ordinário falar humano. No autor de Ancient Mariner o homem rústico distingue-se do homem educado, distinção que lhe valeu para a eternidade o epíteto de elitista (que, politicamente falando, nunca deixou de ser).
No capítulo 17 da Biographia Literaria afirma: «A linguagem de cada homem tem, primeiro, a sua individualidade; segundo, as propriedades comuns à classe a que ele pertence; e terceiro, palavras e expressões de uso universal». A plasticidade linguística reivindicada colide, neste sentido, com a opção de William Wordsworth por uma linguagem simples e enfática, quotidiana, reduzida, natural. Para Coleridge, há na composição poética uma dimensão feérica, fantasiosa e imaginativa que não se compadece com o determinismo do Sr. Wordsworth. A Balada do Velho Marinheiro participa dessa dimensão feérica, enviando o leitor para a situação fantasiosa, porventura onírica, de um navio fantasma à deriva num oceano de lama. Muito se tem especulado acerca do significado alegórico do poema, sendo certo que a narrativa nos transporta para uma enigmática viagem ao cerne da natureza humana. Esse ponto crepuscular de intersecção do mundo natural com o mundo espiritual, representado pela figura do albatroz que o velho marinheiro mata logo na primeira parte, é aquele em que o poema nos inicia, através da experiência de um velho marinheiro que pode ser observado enquanto representante da humanidade no seu todo.
Tal como a humanidade, ele carrega sobre si a cruz de uma desolação terrena, conhece a morte e com ela, perante ela, toma consciência da sua radical solidão no mundo dos vivos. Só a fé poderá salvá-lo, vindo à tona neste ditame a forte carga religiosa do poema. Na sexta parte, fica claro que «a busca de saber qual o rumo a seguir» determinará uma vida tenebrosa ou suave, uma vida para lá desta meia vida, existência precária do ser finito e angustiado, ser em agonia até ao dia do juízo final. Portanto, reza. E vai à igreja em boa companhia. Não admira, pois, que a secularização do mundo tenha feito cair sobre S. T. Coleridge o anátema da caducidade. O ateísmo de Shelley ou a libertinagem de Byron, assim como o naturalismo de Wordsworth, serão porventura mais simpáticos ao leitor actual. Mas em Coleridgre, a despeito de convicções filosóficas, políticas, religiosas, éticas ou morais, há uma estatura reflexiva que sobressai e inquieta. Dizia ele que «Um poema é aquela espécie de composição que se opõe às obras de ciência por propor como seu objecto imediato o prazer, não a verdade; e que, de todas as outras espécies que têm com ele tal objecto em comum, se distingue por se propor aquele deleite do todo que é compatível com uma distinta gratificação derivada de cada uma das suas partes componentes». Quanto a prazer, deleite, gratificação, não podemos senão dá-lo por bem sucedido. A verdade é outra coisa, não necessariamente platónica.

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