Devemos a uma pequena editora, de seu nome Edições do
Saguão, o ter recuperado a tradução de Alberto Pimenta (n. 1937) para The Rime
of the Ancient Mariner — In Seven Parts (1.ª edição, 1798), poema emblemático de
Samuel Taylor Coleridge (n. 1772 – m. 1834) que, nesta versão, surge com o
título apropriado A Balada do Velho Marinheiro (Edições do Saguão, Setembro de
2017). Noutras versões, onde agora surge o conceito de balada surgia antes rima ou
conto. Ao contrário de outros românticos ingleses, tais como William Wordsworth
(n. 1770 – m. 1850), Lord Byron (n. 1788 – m. 1824), Percy Bysshe Shelley (n.
1792 – m. 1822) ou John Keats (n. 1795 – m. 1821), Coleridge parece não ter
merecido a atenção que lhe era devida. Talvez isso se deva, em parte, ao
distanciamento do próprio autor face a alguns princípios românticos ditados por
Wordsworth no prefácio à segunda edição de Lyrical Ballads with a Few Other
Poems. De notar que se The Rime of the Ancient Mariner abriu a primeira edição
das Lyrical Ballads, na segunda foi remetido para a vigésima terceira posição
(depois de ter sido objecto de críticas impiedosas).
Sobre o projecto comum das Lyrical Ballads, conta Samuel
Taylor Coleridge, no capítulo 14 da sua Biographia Literaria (seguimos a
selecção de Jorge Bastos da Silva para a Deriva Editores, Outubro de 2012), que
o plano da composição da obra compreendia uma distribuição de duas espécies de
poemas. Coleridge ficaria com aqueles que versassem situações sobrenaturais, ao
passo que Wordsworth se encarregaria das coisas do quotidiano. A Balada do
Velho Marinheiro surgiu, desta forma, com um propósito específico, determinado
por discussões acerca da natureza da poesia e, por consequência, da composição
de um poema. Fortemente influenciado
pela filosofia kantiana, mas também pelo imaterialismo de Berkeley, Coleridge é
um bom exemplo inglês daquilo que na Alemanha aproximou o idealismo do
romantismo. Completamente alheio ao ateísmo de um Shelley, demarcando-se do
empirismo inglês, Coleridge antevê na criação artística uma reconciliação do
espírito com a natureza. Nele, o poeta distingue-se em absoluto do homem
vulgar. Será também neste sentido que as suas discordâncias com Wordsworth
tomarão forma, na medida em que não aceitava a tese de uma dicção poética exclusiva ou preferencialmente colhida no ordinário falar humano. No autor de Ancient Mariner o homem rústico
distingue-se do homem educado, distinção que lhe valeu para a eternidade o epíteto
de elitista (que, politicamente falando, nunca deixou de ser).
No capítulo 17 da Biographia Literaria afirma: «A
linguagem de cada homem tem, primeiro, a sua individualidade; segundo, as
propriedades comuns à classe a que ele pertence; e terceiro, palavras e
expressões de uso universal». A plasticidade linguística reivindicada colide,
neste sentido, com a opção de William Wordsworth por uma linguagem simples e
enfática, quotidiana, reduzida, natural. Para Coleridge, há na composição
poética uma dimensão feérica, fantasiosa e imaginativa que não se compadece com
o determinismo do Sr. Wordsworth. A Balada do Velho Marinheiro participa dessa dimensão feérica, enviando o leitor para a situação fantasiosa,
porventura onírica, de um navio fantasma à deriva num oceano de lama. Muito se
tem especulado acerca do significado alegórico do poema, sendo certo que a narrativa
nos transporta para uma enigmática viagem ao cerne da natureza humana. Esse ponto
crepuscular de intersecção do mundo natural com o mundo espiritual, representado
pela figura do albatroz que o velho marinheiro mata logo na primeira parte, é
aquele em que o poema nos inicia, através da experiência de um velho marinheiro
que pode ser observado enquanto representante da humanidade no seu todo.
Tal como a humanidade, ele carrega sobre si a cruz de uma
desolação terrena, conhece a morte e com ela, perante ela, toma consciência da
sua radical solidão no mundo dos vivos. Só a fé poderá salvá-lo, vindo à tona neste ditame a forte carga religiosa do poema. Na sexta parte, fica claro que «a
busca de saber qual o rumo a seguir» determinará uma vida tenebrosa ou suave,
uma vida para lá desta meia vida, existência precária do ser finito e
angustiado, ser em agonia até ao dia do juízo final. Portanto, reza. E vai à
igreja em boa companhia. Não admira, pois, que a secularização do mundo tenha
feito cair sobre S. T. Coleridge o anátema da caducidade. O ateísmo de Shelley
ou a libertinagem de Byron, assim como o naturalismo de Wordsworth, serão porventura mais simpáticos ao leitor actual. Mas em Coleridgre, a despeito de convicções
filosóficas, políticas, religiosas, éticas ou morais, há uma estatura reflexiva
que sobressai e inquieta. Dizia ele que «Um poema é aquela espécie de
composição que se opõe às obras de ciência por propor como seu objecto imediato
o prazer, não a verdade; e que, de todas as outras espécies que têm com ele tal
objecto em comum, se distingue por se propor aquele deleite do todo que é
compatível com uma distinta gratificação derivada de cada uma das suas partes
componentes». Quanto a prazer, deleite, gratificação, não podemos senão dá-lo
por bem sucedido. A verdade é outra coisa, não necessariamente platónica.
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