Primeiro a desconfiança. Um livro científico onde Deus seja
tantas vezes chamado à colação deve deixar-nos desconfiados. Bastou-nos o
racionalismo cartesiano a tentar abrir mato para chegarmos a uma ideia clara
dessa ideia. Depois, a dúvida antiga sobre o princípio do universo, sobre a
necessidade de um princípio. Nunca entendi tal necessidade, continuo sem
entender. A espaços, pareceu-me não estar isolado no mundo. A hipótese da
inexistência de um princípio parece-me tão forte, pelo menos filosoficamente,
como a da sua inutilidade. Portanto, mais do que pretender saber se houve um
princípio, mais do que teorizá-lo, postulá-lo com teses como a do big bang,
fica sempre no ar a dúvida acerca da utilidade. Quanto vale uma teoria na
ausência da observação do objecto? Hawking diz-nos, no entanto, coisas que nos parecem
tão prováveis como a nossa insignificância na complexa vastidão universal.
Sobre os tempo absoluto, tempo relativo e tempo imaginário, diz-nos que cada um
deles será válido conforme a sua utilidade na cadeia de um raciocínio. Desse
modo, supera o determinismo com o princípio da incerteza. Em termos literários, parece-me bem que sejamos determinados pelo princípio da incerteza, por uma rede caótica e incognoscível
na sua totalidade, efeito respeitável de um acaso que procuramos
entender, explicar, sabendo que em última instância nenhuma explicação que
encontremos será definitiva. Em termos físicos, não chego lá. É muita areia para a minha cabeça. Parece-me, à distância que se impõe a um leigo, que o cúmulo do relativismo será considerar mais
básico o chamado tempo imaginário do que o chamado tempo real, ambos
inventados, não necessariamente descobertos, para nos ajudarem a descrever o
universo. Porque o tempo será sempre
aquela invenção do pensamento que a carne não desmente. Ele passa por nós, como
se costuma dizer, e tanto deixa marcas como as apaga, o tempo tem uma dimensão
biológica, observável na decomposição de um corpo. Que ganhamos nós, então, com
a teorização de uma origem? Comprovada a vastidão do espaço, podemos até
conviver bem com a ideia de que somos um partícula minúscula. Qual o nosso
lugar? Podemos imaginar que é subterrâneo, que a própria terra é como que
subterrânea, que todo este complexo galáctico afinal está no interior de um
corpo como células cancerígenas. O sentido da nossa actividade seria, então, ir
degustando a matéria à nossa volta até chegarmos às fronteiras do corpo
consumível, até darmos cabo dele, até que chegados à pele do corpo a rasguemos e
com isso outra coisa surja da extinção desta que é nossa coisa. Outro bicho nasça. Outro verme germine. Tem piada,
o nosso destino: «serão precisos 1000 milhões de milhões de milhões de milhões
de anos para a Terra colidir com o Sol, pelo que não há motivo imediato para
preocupação!» (p. 110) Eis o tempo, Via Crucis da humanidade que um dia julgou
ser possível determinar todas as leis da Natureza, que um dia, iludida pela
repetição de certos fenómenos, pensou que em tudo havia a mesma estabilidade,
o mesmo equilíbrio, a mesma previsibilidade. Ordem, regra, até o imprevisível
dar cabo da lei e deixar-nos desamparados com uma única palavra onde apoiar a
mente: Deus. Só que Deus não existe, segundo a regra das probabilidades. Pelo que o melhor será aceitarmos de
uma vez por todas o desamparo enquanto condição última de estar por aqui, pelo
que preferível será abraçarmos de uma vez por todas a nossa insignificância observando-lhe
o fim último de um sentido profundo: somos só mais uma pequeníssima partícula
na engrenagem de uma bela aventura. Se estivermos enganados, paciência. Haverá sempre um buraco negro onde nos enfiarmos na hora do juízo final.
5 comentários:
hoje (ontem) foi um dia obscuro em que aliviaria invocar Deus. noutro tempo teria...venho aqui direita e dou-me com o "buraco negro", pufff! :)
Leste o livro mas não percebeste um cu.
É um facto.
E no entanto o cu estava lá.
E a bosta aqui.
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