sábado, 5 de maio de 2018

"PODERMOS SER PATETAS A DOIS"

   Não há mulher no mundo chamada como eu. Sabe que palavras ridículas os amantes trocam; que as chamadas de cães e papagaios são frutos naturais das intimidades da carne. As palavras do coração são infantis. As vozes da carne são elementares. Aliás, o Sr. Teste pensa que o amor consiste em podermos ser patetas a dois — toda a licença de ingenuidade e bestialidade. Por isso me chama a seu modo. Quase sempre me designa de acordo com o que quer de mim. Só o nome que me chama basta para eu saber, numa palavra, o que me espera ou tenho de fazer. Se não deseja nada em especial, diz-me: Ser ou Coisa. E às vezes chama-me Oásis, o que me agrada. 
   Pateta é que nunca me chama — o que muito profundamente me sensibiliza.

Paul Valéry, in O Senhor Teste, trad. Aníbal Fernandes, Relógio D'Água, Março de 2018, p. 47.

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