Parece haver qualquer coisa de infantil no fascínio que no mundo actual as máquinas exercem junto de um grande número de pessoas. No contexto do industrialismo virtual e do capitalismo internético, a associação da máquina a um brinquedo é quase inevitável. Quando no fim dos anos 90 se propagou urbi et orbi a deslumbrada excitação com um aparelhómetro digital chamado Tamagochi, fabricado por uma empresa japonesa de brinquedos e jogos electrónicos (a quarta mundial deste sector), esse comercial fenómeno de adesão não pôde deixar de surpreender quem o observasse de fora, ao ver a dependência que imediatamente criou entre os «adeptos», adultos e crianças. Este objecto (que em 2017 foi relançado pela mesma empresa, obviamente com belas inovações técnicas e de imaginário) consiste em criar uma ficção compulsiva: cuidar, a tempo e horas, de um «animalzinho», como se ele fosse real - dar-lhe «comida», «bebida», «banho», «carinhos», tudo virtual. Na nova versão, o Tamagochi é vendido «com uma opção de família»: comunicando com outro, pode ter filhos, os quais poderão depois casar, etc. E este novo produto já promoveu «aplicações» graças às quais o usuário (ou deveremos dizer utente?) pode cuidar de um alienígena, entrando assim em contacto com os tão apetecidos mundos extraterrestres para onde os humanos irão, um dia destes, morar e reproduzir-se, quando a Terra estiver finalmente inabitável...
Júlio Henriques, in Humano Aumentado, revista Flauta de Luz, n.º 5, Abril de 2018, pp. 10-11.
2 comentários:
Força camarada. Cá eu, começo a pensar que torno a fumar só para experimentar a irritação de deixar :) Chama-se agonia auto-induzida...
:-)
Vou no bom caminho. Anteontem estive em Melides. Lembrei-me de ti.
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