ILUMINAÇÕES DO RIO TEJO
Cruzando o Tejo
com Lisboa à vista
e Cacilhas por trás
observo os portugueses
como eles me vão observando
a mim:
um índio
de cabelo comprido
um estranho
que eles não aprovam
ou não podem situar
no altar do camponês
ou no saco de plástico do trabalhador urbano.
Caem sobre eles as minhas cogitações.
Tão pobres vejo tantos deles
que uma cisma me acomete
sobre o que terá acontecido
àquele outro todo
e por que terão morrido
às vossas mãos
todos aqueles índios do Brasil
e os escravos de África e de Goa
— por que razão terão eles morrido
para de vós fazerem´
gente tão pobre?
Portugal parece-se muito
com o México, ou com partes
do Terceiro Mundo.
Não parece estar na Europa.
Os grandes conquistadores
estão mortos e enterrados
e o ouro sumiu-se
no sorvedouro inglês
ou noutros sorvedouros
— ou nas goelas dos ricos
que não consigo enxergar
e vivem porventura lá pra cima
por detrás do Sheraton.
Ponho-me pois a cismar
em todos aqueles índios do Brasil
mandados como escravos
pra Lisboa e pergunto-me
vendo aqui tanta gente de pele escura
e até negra
quantos terão sangue índio
— mas talvez essa cor apenas venha
dos mouros ou dos goeses.
Têm cafés e bares
a que chamam Brasil e O Brasileiro
mas isto que significa?
Dizem que uma terça parte desta gente não sabe ler
e que muitos outros lêem mal.
Após séculos de tirania e depois do fascismo
quantos saberão alguma coisa
sobre os índios?
Só trampa e trafulhices
ou propaganda romântica
sobre o maravilhoso império
tão morto agora e enterrado.
Quantos livros do Brasil
narrando a história dos seus primeiros habitantes
lerão eles?
Ou quantos filmes estadunidenses
na televisão lhes deformam as mentes?
E a mim de cabelo comprido
não me podem situar:
só me podem olhar fixamente
como criatura aqui caída da selva.
E penso em como essas pessoas comuns
abalaram de viagem
há tanto tempo
para assaltarem
corpos acobreados e escuros
e dominarem o tráfico
de carne humana,
das especiarias,
do açúcar.
Darão maus frutos os actos de ruindade?
Que destino se revela
em esclavagistas e gatunos?
E todos em declínio, Portugal,
Espanha, a Inglaterra,
os grandes impérios
todos se sumiram.
E Portugal, o primeiro,
foi alfim o último e o mais pobre,
com que justiça?
Não devo porém mostrar-me amargo:
estas pessoas,
estivadores, condutores de autocarros,
camponeses,
desempregados,
nada fizeram e não vivem
em São Paulo ou no Rio
— mas como seriam eles
se acaso lá vivessem?
E em todas as paredes
e nos caixotes do lixo
há sinais de protesto
contra o imperialismo ianque.
Contra isto também eu protesto
mas de mim a dúvida não sai:
poderei eu crer em ex-imperialistas?
Terão eles sofrido o bastante
para alcançarem a sabedoria
ou apenas para na cupidez
mostrarem ambição?
Ninguém me atirou
«Oh, nós ajudámos a civilizar
os índios, os africanos»
mas diz-me o meu espírito
que as palavras se escondem da audição
e sendo verdade que me ofende uma tão baixa impostura
caso o não seja
declaro estar pronto para a amizade.
Aqui me vejo pois em Lisboa
mas onde estou eu?
Entre amigos
ou entre inimigos,
entre outras vítimas do império,
entre os que nunca dele beneficiaram,
entre os que nunca violaram nem roubaram?
Em Lisboa me vejo
ainda sem saber.
[Lisboa, Maio de 1982]
Jack D. Forbes (n. 7 de Janeiro de 1934, Long Beach, Califórnia, EUA - m. 23 de Fevereiro de 2011, Davis, Califórnia, EUA), in revista Flauta de Luz, n.º 5, trad. Júlio Henriques, Abril de 2018, pp. 75-76.
4 comentários:
Poema do caraças.
Mesmo. E a revista de onde vem tem mais. A melhor revista publicada em Portugal desde há muito. Cheguei a ela ao 2.º número, graças ao Rui Almeida.
Epá, desta vez não resisto a esta coisa da "caixa de comentários"... que poema/murro no estômago, lá se foram as minhas aulas de história e outras publicidades afins a engrandecer os "heróis" da portugalidade!Vou procurar mais coisas do autor, obrigado pelo serviço público...
De nada.
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