segunda-feira, 26 de novembro de 2018

FALA UM SOLDADO DA CONQUISTA




«…era de ânimo robusto e licencioso de costumes, daí não ter merecido fortuna na Califórnia nem em Ida de Higueras, nem em lugar algum desde que chegou a esta terra. Confessou-se publicamente com cinismo e blasfémia. Deus lhe perdoe os pecados e também a mim e me dê boa morte, mais importante do que as conquistas e vitórias que tivemos contra os índios
Verdadeira história da conquista da Nova Espanha
Bernal Díaz del Castillo

«Vim porque me pagavam
e eu queria comprar espadas e mulheres.
Vim porque me falaram de montanhas resplandecentes
como um entardecer no mar
e como o ouro com que haveria de me vestir quando regressasse.
Mas só encontrei flechas envenenadas,
humidade e mosquitos.
Conheci o terror, noites sigilosas,
índios vestidos com sua beleza sinistra,
a força de uma terra que nos dobrou
como a sede aos animais,
e a movediça mortalha da selva.»

«Alguém falou de honra a bordo.
A bordo
falavam e rezavam com lentas mãos sobre livros dourados.
nessas mãos se apoiaram o grito e o desespero;
com essas mãos escavaram a terra que nos iria cobrir.
Alguém falou de «história» e de «futuro»;
eu apenas penso no que perdi.
Creio que tudo é igual,
as mentiras que nos disseram e as verdades que encontrámos.
Haverá sempre loucos que viverão de palavras,
e sempre o mundo misturará com a mesma indiferença
a vida, que cresce no esquecimento,
a glória, que se arrasta,
e a laboriosa cobiça da morte.»

Jorge Calvetti (n. Maimara, San Salvador de Jujuy, Argentina, 1916 – Buenos Aires, 4 de Novembro de 2002), traduzido por HMBF a partir da versão coligida por Marta Ferrari, in Poesía Argentina - Antología esencial, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, pp. 86-87.

6 comentários:

manuel a. domingos disse...

Eh lá..

Agora fiquei curioso em saber se Golgona Anghel mencionou influência tão grande no seu poema "Vim porque me pagavam". Se mencionou: tudo bem. Caso não o tenha feito: que nome dar a isso?

hmbf disse...

É intertextualidade. :-)

manuel a. domingos disse...

Levada ao limite.

hmbf disse...

Comentário da Matilde: podes copiar o meu TPC, mas deixa um bocadinho diferente para a stôra não perceber. :-)))

Jorge Melícias disse...

Como o Manel me censurou lá no canto dele (não deve ter percebido que o poema não lhe era dirigido) deixo aqui, com a devida permissão, a minha homenagem à poeta intertextual.

Nisto de procissões pouco conta o santo,


Nisto de procissões pouco conta o santo,
vale é a qualidade do processionário.
O que é que ao mais diligente caudatário
importa a chavasquice do manto?

Para bom prelado serviçal e meio,
o resto é maledicência, pasto para pábulo.
A cada asinino o que lhe convém por estábulo
e a cada escrúpulo o seu próprio tenteio.

Antes do pombo a rola e depois ainda há o torcaz,
(ah, a columbófila loquacidade dos ângulos…)
vê bem por onde engordar até primaz!

Acautela, pois, da consciência os longos preâmbulos,
que a pródiga rapina ficou lá para trás
e este é verdadeiramente o recreio dos fâmulos.

Anónimo disse...

"Agora fiquei curioso em saber se Golgona Anghel mencionou influência tão grande no seu poema "Vim porque me pagavam". Se mencionou: tudo bem. Caso não o tenha feito: que nome dar a isso?"... Bom, podemos exigir-lhe que tivesse metido um requerimento... Oh Golghona, tens o papel contigo? Ah poeta, nas tuas horas mortas de funcionário... Ou será o contrário?