terça-feira, 27 de novembro de 2018

NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS


(clique na imagem para ver melhor)

O do lado esquerdo foi escrito por um poeta argentino do início do século XX, o do lado direito foi escrito por uma poeta portuguesa do início do século XXI. Ele chama-se Jorge Calvetti, ela chama-se Golgona Anghel. Em poesia, esta técnica pode ter o nome de paráfrase, intertextualidade, diálogo, pastiche, plágio. Sem menção ao original, pode também ser entendida como copianço. Por muito menos, Tony Carreira foi recentemente achincalhado. Não merecia, afinal estava apenas a recorrer a práticas académicas que são um inequívoco sinal de inteligência, respeito pela tradição e conhecimento profundo da sua arte.

30 comentários:

Anónimo disse...

Plágio, sem dúvida. Até para plagiar é preciso arte. A poeta portuguesa não a tem. O resultado é inequívoco.

Manuela disse...


«Great poets, steal»

António Barahona, Impressões Digitais (1968)

Assim escrevo
alegre e inspirado com a palavra.
Folheio as obras dos velhos e novos
e faço-o confiante. Mas estou cercado
de vocábulos que me atacam pelas costas.
Sou um poeta difícil:
Ausculto a sílaba que contém
o movimento futuro da estrofe.
Sim, a poesia é a menos saudável das ocupações.
E ser poeta não é uma ambição minha:
É a minha maneira de estar sozinho.






Fernando Pessoa

[...]

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

Pedro disse...

muito bem.

Anónimo disse...

Manuela do comentário acima: "great poets steal"? Mas desde quando é que o Barahona é um grande poeta? Não, cara, great poets don't steal...

Adília César disse...

Estou admirada, confesso. Não esperava esse deslize de Golgona Anghel, uma poetisa "da moda", de êxito moderado e relativamente conhecida. É plágio, não há muito a acrescentar. Já tenho lido exercícios poéticos em que o poeta "pega"num verso de outro autor (com a devida referência) e desfragmenta o conceito, amplia a ideia, desenvolve outra narrativa. Não vejo grande interesse nesta prática, a não ser no contexto de um curso de escrita criativa, por exemplo. Bem melhor seria o poeta encontrar a sua voz própria, a autenticidade de uma linguagem poética emergente. Mas isso é só para alguns, claro.
AC

Anónimo disse...

A menina tinha tanta boa poesia romena aonde ir roubar, tinha logo de plagiar um poeta de língua castelhana, tão próxima da nossa... Em que é que se distingue uma miúda que faz isto de uma miúda que se desnuda no facebook em busca de atenção? Não é o mesmo princípio? A fama a todo o custo, ó meu Deus! Reparem em mim, reparem em mim, seja de que maneira for!

hmbf disse...

Anónimo das 19:47, a comparação que faz é infeliz. Mas já agora aproveito para lhe pedir algumas sugestões de poesia romena.

Anónimo disse...

E enferma do mesmo problema dos plágios do Tony Carreira: nem para roubar tem jeito. Já que era para roubar, que roubasse um bom poema...

Manuela disse...

Caro anónimo das 18:58,

Relativamente à qualidade dos versos do poeta em questão, nada referi. Usou foi dois versos iguais aos do Pessoa, talvez tenha sido "inspiração". E foi T. S. Eliot, não eu quem disse: “Immature poets imitate; mature poets steal; bad poets deface what they take, and good poets make it into something better, or at least something different.”
Gosto muito dos poemas da Golgona, não especialmente do "Vim porque me pagavam", até há gente que escreve versos também iguais aos do Camilo Pessanha. Deve ser moda escrever assim, não sei.

alexandra g. disse...

achei graça àquele comentário sobre as pessoas que se desnudam no FB:

isso, precisamente por não ter qualquer comparação com "uma miúda que se desnuda no facebook em busca de atenção? Não é o mesmo princípio? A fama a todo o custo, ó meu Deus! Reparem em mim, reparem em mim, seja de que maneira for!"

falamos de alguém que se colocou num patamar de visibilidade com a devida qualidade de escrita e, afinal, eis que, enquanto no FB basta mostrar um corpo (???), que é seguramente diferente de todos os outros, único, e deixemos de lado, aqui, o que possa significar.

a palavra já é um corpo, o resto, se clonado, é plástica, a linha que o (re)faz.

_______
(fiquei triste, claro, mas nada que não adivinhe acontecer mais do que muitas vezes)

Anónimo disse...

Caro Henrique Fialho,

estranho que a versão do poema argentino que nos dá seja em português. Quem o traduziu e onde está o original?

hmbf disse...

https://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2018/11/fala-um-soldado-da-conquista.html

Anónimo disse...

sempre tive a sensação que este exercício acabaria por surgir ao pastiche dos pós-surrealistas (?) que nos calharam na rifa; Cláudia Sampaio, José Anjos etc., mas esta não via a acontecer e é sempre bem-vindo

ps: grande poema, o original!

Anónimo disse...

Vamos ver quantos mais anos demoram até descobrir o mesmo exercício com o Cesariny...

Anónimo disse...

Este tipo de reutilização é bastante comum, e o trabalho do sublinhado demonstra que a maioria dos versos são novos - mesmo cotando com os sublinhados sem correspondência.
se se gosta mais de um ou de outro, isso é opinião pessoal. Parece é que o titulo do livro (e o poema) marcou muita gente, senão não estaríamos aqui hoje a comentar isto, uma geração depois.
Viva o palimpsesto

hmbf disse...

Anóninmo das 00:50, quer partilhar outros exemplos deste tipo de reutilização?

Como é óbvio, não vale aqueles em que o autor do original surge referido mencionado, citado, algures no livro ou no poema onde o "palimpsesto" foi publicado.

L. disse...

eu não fui nenhum dos anónimos, henrique, mas romena conheço a nina cassian.

hmbf disse...

Gracias, vou procurar.
Eu, em tempos, deixei aqui um: https://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2018/02/um-poema-de-gherasim-luca.html

E há o Celan, claro.

Evandro disse...

Não acho que a palavra 'plágio' ainda caiba aqui. Também discordo da necessidade de se mencionar / citar o original. Imaginem no cinema: o cineasta quer 'citar' Eisenstein... como faz? Ele deve avisar? Aliás, tampouco acho interessante a ideia de 'original'. É isso

hmbf disse...

Evandro, o seu comentário é muito interessante e levanta questões pertinentes. A questão é: o que devemos considerar plágio? Recordo um exercício curioso que andou por aí de comparação entre o The Revenant e vários filmes do Tarkovski.

manuel a. domingos disse...

Daqui a nada estamos todos a dizer que os "burros" somos nós, pois não conhecíamos Calvetti (e era nossa obrigação!) e fomos incapaz de ver o diálogo estabelecido com o poeta argentino.

Em literatura a ideia de "original" pode começar a não ser interessante. Talvez desde Homero que o não seja. Talvez o próprio Homero não seja original naquilo que fez. Quantos antes dele terão feito o mesmo e nada chegou até nós?

Em cinema a citação existe e é muito mais visível. E, penso eu, amplamente aceite. Se pensarmos bem: estamos a falar de uma arte que ainda não tem duzentos anos. E estamos a tratar de imagens. Citar um plano de Eisentein, Tarkovski ou Hitchcock é isso mesmo: uma citação. É só pensar nos filmes de Tarantino. E uma citação é (perdoem-me a imagem fácil) ir beber à fonte. E ir beber à fonte não é o mesmo que trazer a fonte para casa.

hmbf disse...

Quando era professor apanhava muitos trabalhos que eram simples "copy paste". Os miúdos iam à net, copiavam, colavam, entregavam o trabalho como se fosse deles. Não passa pela cabeça de ninguém considerar isto admissível.

Aqui o caso é mais complexo. Muita arte se faz em diálogo com a sua tradição. O que nos deixa desconfiados perante um exercício deste género é a ausência de uma referência explícita à fonte. Jorge Calvetti, que eu saiba, não está publicado em Portugal. Logo, presume-se que seja desconhecido da maioria dos leitores de poesia portugueses. O que legitima a apropriação sem referência ao original?

Em tempos, fiz uma coisa parecida com um poema do Mário de Sá-Carneiro. Resultado desastroso, assumo. O livro, de resto, foi atempadamente retirado do mercado ao qual nunca chegou. :-) Mas nesse caso, como noutros que poderia aqui referir, tratava-se de um poema por demais conhecido, bastante popular. Qualquer pessoa o identificaria de imediato, mais não fosse por tê-lo escutado numa interpretação dos Trovante. Há quem pense que "Fim" é uma canção dos Trovante, e é, sobre poema de Mário de Sá-Carneiro. Tal como "Perdidamente" sobre poema de Florbela Espanca.

Outra questão que podemos colocar é do domínio da subjectividade. Imaginemos que este tipo de exercício, chamemos-lhe assim, era detectado num Pedro Chagas Freitas. Ou num José Rodrigues dos Santos. Ou numa Margarida Rebelo Pinto, que inspirou um ensaio sobre "auto-plágio". O que se diria de tais práticas?

Pano para mangas, portanto.

manuel a. domingos disse...

O teu último parágrafo levanta, quanto a mim, as questões mais importantes.

Anónimo disse...

A originalidade deixou de ser interessante? Bom, então está bem, vou fazer figura com os versos do Herberto. Um artista que não "procure" ser original, não é artista, é gatuno. A Golgona claramente não procurou ser original, procurou LUDIBRIAR, e isso não se lhe pode perdoar.

Evandro disse...

Sim, a questão é tão complexa quanto interessante. Quando afirmo não ser necessário explicitar o intertexto, por óbvio que não estou falando de produções acadêmicas.

Na música, então, hein? Shostakovich citando Beethoven em sua Nona e tantos milhares de outros exemplos possíveis. Ninguém aqui falaria de plágio. E quem efetivamente 'pega' isso? Bem, aí depende sempre do conhecimento de mundo do ouvinte / leitor / espectador.

Um abraço

Anónimo disse...



outras cuspo nelas três vezes como um velho soldado

Diogo Vaz Pinto


cuspir três vezes nas mãos como um velho soldado

Georg Heym, poeta



"ar decapitado"


Neste rosto fixo de vidro que me serve
de reflexo, sorrio do meu ar decapitado
entre cabeças que roçam outras estrelas,

Diogo Vaz Pinto



Esta cabeça evanescente e aguda,
tão doce no seu ar decapitado,
do Império portentoso nada tem:

Jorge de Sena



"O Capitão do Fim"

inventa ruas e te empurra para debaixo
das arcadas, onde os capitães do fim
compõem o papelão e reerguem o seu
hotel de grilos e constelações.

Diogo Vaz Pinto



Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

Fernando Pessoa



"soluço obscuro"


Levar depois altíssima a cabeça entre
a vertigem dos ombros, o cigarro ou esse
soluço obscuro de quem segue até ao
último astro.

Diogo Vaz Pinto



sou eu que te abro pela boca,
boca com boca,
metido em ti o sopro até raiar-te a cara,
até que o meu soluço obscuro te cruze toda

Herberto Helder



"vastas terras como a insónia"


A noite estende, por fim, o braço ponteado
de cicatrizes luminosas, mapa das
minhas tristes capitanias, terras vastas
como a insónia.

Diogo Vaz Pinto



A luz devasta as alturas
Manadas de impérios derrotados
O olho retrocede cercado de reflexos
Vastas terras como a insónia

Octavio Paz

Anónimo disse...

Um fartote de poetas copistas. Seria importante saber o que dizem os editores.

Anónimo disse...

Já surripiaram um dos comentários daqui. Ninguém está a salvo

https://www.facebook.com/100030545928589/posts/112260613135469/

Anónimo disse...

O Tony Carreira... Perdão, o Ricardo Landum, que é quem lhe compõe as músicas, sabe da poda (pasme-se). Foi um grande do heavy metal português, vê lá tu, e agora escreve músicas que as classes populares consomem. Afinal nunca saiu do mesmo público. Ó poeta dito comunista, música para operários e para as suas esposas. Também escutam Lopes-Graça, por vezes, não começes a chamar nomes às pessoas levianamente. Bom, o que o Landum faz é aquele "copianço" que as classes populares sempre praticaram sobre a arte da burguesia, sempre. Não sabias? Eu também não aprecio a música do Tony, mas vai lá tu agora apontar o dedo... Ou também snobas os emigrantes? Tantos ataques de novo-riquismo...

J. D. S. disse...

Tão mais divertido "O caso do Sonâmbulo Chupista",do Luiz Pacheco, sobre o gamanço do Fernando Namora ao Vergilio Ferreira.