quinta-feira, 8 de novembro de 2018

UM POEMA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN



O POETA MORREU AO AMANHECER

Sem um cêntimo, tal como veio ao mundo,
morreu por fim, na praça, diante da inquieta feira.
Velaram o cadáver do doce vagabundo
duas musas, a esperança e a miséria.

Foi um poeta cheio de vida e de obra.
Escreveu versos quase celestes, quase mágicos,
de invenção verdadeira,
e como homem que do seu tempo era,
também árias ardentes e poemas civis
de cantos e bandeiras.

Alguns, os mais velhos, repudiaram-no desde o início.
Alguns, os mais jovens, repudiaram-no depois.
Hoje irão ao seu enterro quatro bons amigos,
os paroquianos do café,
os artistas do circo ambulante,
uns quantos operários,
um antigo editor,
uma mulher bela,
e amanhã, amanhã,
florescerá a terra que sobre ele cair.

Deixa muito poucas coisas, livros, um Heine, um Whitman,
um Quevedo, um Darío, um Rimbaud, um Baudelaire,
um Schiller, um Bertrand, um Bécquer, um Machado,
versos de um ente querido que morreu antes dele,
muitas contas por pagar, um mapa, um cata-vento
e uma antiga fragata dentro de uma garrafa.

Os que o viram dizem que morreu como uma criança.
Para ele foi a morte como o espanto derradeiro.
Tinha uma estrela morta sobre o peito vencido,
e um pássaro no ombro.



Raúl González Tuñón (n. 29 de Março de 1905, Buenos Aires, Argentina - m. 14 de Agosto de 1974, idem), traduzido por HMBF a partir da versão coligida por Marta Ferrari, in Poesía Argentina - Antología esencial, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, pp. 45-46.