quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O PASCAL QUE EXISTE EM TI




Não se deixa estar
numa rede, mexendo-se
nesse supremo abandono que é
suprema atenção, invocação
à vertigem,
e mexendo-se
com a notícia de que Jesus
permanecerá na agonia
até ao fim do mundo,
e que entretanto
impõe-se que ninguém feche os olhos.

Ele prefere
— já que sua vigília disporá
de todo o tempo do mundo —
que a espera, prazo indicado,
não redunde em escalafrios
e resignação, passiva
qualificação da vida, a baixar e subir
através de orações e incertezas,
sendo antes actividade de minudências
elevadas a cumeeiras, mudando-se
por quartos e pátios, pela repetição,
rotina, concentrada e calmante,
de varrer, regar, cozinhar,
murmurar com passos arrastados
o próprio nome;
e prefere, enquanto projecto,
reclamar o que nunca conseguiu,
que o considerem
o louco da família, o extravagante
obcecado por portas
(espaço que os mortos
da casa atravessam,
acesso dos justos),
disseminando, sagaz,
suas chocantes conclusões:
as portas
não têm que ser tocadas, serão apenas
portas enquanto permanecerem fechadas,
caso contrário não repararemos nelas como portas,
não existirão portas, o abismo revelar-se-á
aguardando do outro lado do umbral.

Alberto Girri, versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010,pp. 106-107.

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