sexta-feira, 28 de junho de 2019

UM TANGO DE JUAN GELMAN



TANGO

Aquela mulher parecia-se à palavra nunca,
um encanto particular subia-lhe pelo pescoço,
espécie de esquecimento onde guardar os olhos,
aquela mulher instalava-se-me no flanco esquerdo.

Atenção atenção gritava-lhe atenção
mas ela invadia como o amor, como a noite,
os últimos sinais que fiz para o outono
deitaram-se tranquilos sob suas mãos ondeantes.

Ruídos secos estalejaram dentro de mim,
aos poucos tombavam a fúria, a tristeza,
a senhora chovia docemente
sobre  meus ossos parados na solidão.

Quando partiu eu tremia como um condenado,
matei-me com um golpe brusco,
irei passar a morte inteira estendido com seu nome,
ele moverá minha boca pela última vez.

Juan Gelman (n. Buenos Aires, Argentina, 1930 – m. La Condesa, Cidade do México, 2014), versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, p. 303.

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