domingo, 25 de agosto de 2019

QUANDO O AMOR PARECIA MORTO




Quando o amor parecia morto.
Paz na terra.
A morte está sempre a trabalhar.
O amor alimenta a morte?
A morte e o amor
trabalham juntos sem o saberem?

Quando parece haver dor
na morte que trabalha
ou há dor nos trabalhos do amor.
Não dormem o amor, a dor e a morte?

Quando parecia que.
Bestas da memória
farrapos.
A morte não tem farrapos, não morre.
Paz na terra.
O amor derrota a morte
todo o amor
todas as diferentes classes de amor
mas sobretudo o amor inocente.

Quando parecia que o amor
já não trabalhava
ou não alimentava
ou doía ou estava morto.
Subitamente
como daquela vez em que atravessava uma rua
aquela rua inocente
e de súbito soube que era ele
era ele
que era ele quem atravessava a rua.
E como daquela vez
nessa rua inocente
ela chega de súbito
e a dor e a morte
começam a tremer
a tremer
a tremer.

Quando parecia que o amor. Paz
paz na terra
às mulheres de boa vontade.

A luz de um fósforo
pode ocultar a noite
mas toda a noite não pode ocultar
a luz de um inocente fósforo.

Gianni Siccardi (n. Banfield, Buenos Aires, 27 de Setembro de 1933 – m. 29 de Novembro de 2002), versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, pp. 322-323. Nasceu em Banfield, província de Buenos Aires, no dia 27 de Setembro de 1933. Entre as inúmeras ocupações que desenvolveu ao longo da vida, contam-se as de jornalista e tradutor. Fundou e dirigiu as revistas Juego Rabioso, Baires e Sunda. Com um sentido de humor enraizado no surrealismo, distanciou-se desde cedo do chamado “realismo crítico” praticado por muitos outros poetas da sua geração. No entanto, a ironia nos poemas de Siccardi disfarça o compromisso para com a realidade social através de uma lírica fortemente emotiva. Estreou-se em 1960 com a colectânea “Poesía junta”. Acerca de si mesmo disse: «realizei estudos tão breves como ligeiros, e igualmente proveitosos, quem sabe, de violino, italiano, inglês, alemão, arquitectura, piano, pintura, teatro. E estudos tão sérios e prolongados como ineficazes de canto. Morreu em Novembro de 2002.

Sem comentários: