terça-feira, 31 de março de 2020

MEA CULPA


A ignorância não tem limites, pelo menos a minha. Serve este para dar conta de uma espécie de redenção. Em 2013, a propósito de um exercício levado a cabo pelos críticos literários do Atual (ainda existirá?), dei aqui conta de uma estupefacção que tinha apenas uma razão de ser: desconhecimento. Entretanto li praticamente todos os livros de Teresa Veiga. O último que li foi História da Bela Fria (Cotovia, 1992), adquirido, pela ultrajante quantia de 1 €, numa banca de velharias. Deixo algumas frases soltas respigadas entre os nove contos do livro, cada um  melhor que o outro:

Os passeios a Milfontes tinham-me convencido de que havia outras maneiras de viver em que passavam por naturais, ou talvez o fossem, coisas que para nós eram inconcebíveis. Neste aspecto a exposição ao sol, com todas as metamorfoses que produz, fez mais pela nossa emancipação que os discursos das feministas, de que só nos chegavam ecos distorcidos. (do conto História da Bela Fria, p. 31)

Culpada ou inocente? A verdade é que não consigo chegar a uma conclusão. Prefiro considerá-los ambos vítimas de uma sucessão de acasos que os ultrapassaram. Mas vítimas que, de alguma forma, mereciam o que lhes aconteceu. (do conto O Poeta do Campo, p. 50)

O filho tinha ainda uma particularidade só dele: era anão, mas um anão alto, um metro e quarenta no bilhete de identidade azul, embora já andasse pelos dezassete anos. Já o vira anteriormente mas só à distância e para lhe mostrar que não o confundia com um garoto cumprimentara-o com um meio sorriso bem feminino. (do conto Consequências do Processo da Descolonização, p. 54)

Sentia-me abrasada de amor e compaixão pela humanidade e em especial pelos cegos, os surdos, e os mudos. (do conto O Queridezas, p. 70)

Só uma coisa me espantava: que ao contrário do que era costume tratando-se de amores ilícitos, estes fossem de vento em popa, de vitória em vitória, sem encontrar entraves externos ou internos de qualquer espécie. Era pena, tentava eu explicar-lhe o meu ponto de vista, pois sem uma certa dimensão trágica, a sua história de amor não passava d euma sucessão de quadros mais ou menos eróticos ou românticos em que os dois amantes, incansavelmente, se esgotavam na repetição dos seus papéis para um público reduzido a eles próprios. (do conto A Amante de Kropotchine, p. 78)

Ah, como é cruel darem-nos uma só vida, colocarem-nos a todo o momento na iminência de ter de escolher! O ser humano é tão contraditório! (do conto O Criado, p. 90)

Ninguém chorou no enterro. O bom povo de Vila Formosa só lamentava que não houvesse um sobrevivente para esclarecer todos os pormenores de um tão excitante enigma policial. (do conto O Criado, p. 109).

Minha querida, de todos os odores que a natureza criou para nosso deleite, posso dizer-lhe que o de uma pele curtida pelo sol é o mais sublime e excelso de todos. (do conto O Homem do Sertão, p. 136)

Nunca acreditei em bruxos e videntes mas verifico amiúde que acertam em cheio, pelo que convém desmascará-los quanto mais cedo melhor. (do conto Barbi, p. 139)

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