segunda-feira, 2 de março de 2020

TURISMO EM TEMPOS DE VENTURA



O protofascista de serviço foi a Portalegre anunciar que é candidato a Presidente da República, declarando-se nas tintas para a Constituição da República Portuguesa e para o regime. Ele sabe que, em sendo eleito, tem de jurar fidelidade à Constituição para a qual se está nas tintas, o que o coloca ao nível de um noivo que trai o cônjuge no próprio dia do casamento. Imagem nada abonatória, pouco católica, mas para a qual quem o aplaude parece também estar-se nas tintas. Para este apaixonado do “Integralismo Lusitano” o regime está podre, já não serve. Serve, pelo menos, para ele beneficiar do estatuto de deputado inimputável, propondo medidas tão inovadoras como o repovoamento do interior com os miseráveis do litoral. Swift não faria melhor. 

Um professor é agredido por um aluno, vergonha. Um polícia é agredido por um meliante, vergonha. Um doente morre à espera num hospital, vergonha. Ventura agride tudo e todos com os seus reiterados insultos à mais básica inteligência democrática, aplausos. Venha daí a prisão perpétua e a castração, sem dúvida medidas tendo em vista um futuro digno  e promissor. Há, no entanto, uma metodologia curiosa neste tipo de discurso populista, protofascista, saudosista no pior sentido, que tem sido pouco discutida. 

Não vejo ninguém a dizer tanto mal do nosso país como André Ventura, ao mesmo tempo que se mostra indignado contra todos aqueles que apontam um passado bem mais negro do que o presente. O método é simples: fazer o auditório acreditar num passado glorioso que, esmiuçada a história, nunca existiu, levando a crer numa degenerescência do presente que transforma toda a actualidade em destroços, ruínas, decadência. A verdade é que nunca estivemos tão bem, sobretudo estamos muito melhor do que estávamos quando havia Inquisição, esclavagismo, colónias, censura… Há que dizê-lo com toda a frontalidade: esta merda nunca esteve tão boa, lamento.

Ninguém discordará de inúmeras vergonhas apontadas por Ventura, ainda que a histeria com que as aponta seja aldrabona, capciosa, patológica. Nem um cego poderia dizer que não existem problemas, pois há problemas que nem precisam ser vistos. Um deles é o próprio Ventura. Já deu para perceber que o seu eleitorado não está interessado no seu programa, é um eleitorado carente de estardalhaço, aquele tipo de eleitorado que tanto se entusiasma com o Valentim Loureiro aos berros na televisão como com um António Marinho e Pinto antes de lhe terem arranjado um taxo como eurodeputado. É o eleitorado que salivava com as teses catastrofistas de um Medina Carreira, para quem o país tinha batido no fundo para não mais se levantar (ainda que por cá andemos, uns mais à superfície do que outros). 

Em democracia, é certo, não há bons e maus eleitores. Há pessoas mais ou menos informadas, há eleitorados mais ou menos vulneráveis, há gente mais ou menos indefesa e permeável à banha da cobra, à intrujice ao discurso burlão. O que há de perigoso nisto é poderem os olhos abrir-se tardiamente, quando o mal já está feito. Ora, num país em que casa roubada, trancas à porta, urge tornar claras as tácticas do trapaceiro. Sempre que ele disser muito mal do "estado a que isto chegou", lembrem-se que "isto" nunca esteve tão bom e que está bem melhor do que na maior parte do mundo (o que não quer dizer, obviamente, que esteja perfeito). E sempre que ele apelar às glórias dos nossos avós, podem fazer este exercício simples de pensarem na imensa maioria dos avós dos portugueses que estão hoje vivos. 

Pela parte que me toca, do lado do pai eram dois alcoólicos. Da parte da mãe, uma era analfabeta e o outro morreu vítima de cancro sem grandes cuidados nem conforto. Vestia-se mal, comia-se pior. A imagem que lá fora tinham de nós era sábia e é sabida, povo atrasado e inculto, mulheres com bigode e desdentadas, homens de cajado na mão a cuspir para a terra e a urinar nas esquinas. Higiene era coisa pouca. Os números dizem o resto: mortalidade infantil, analfabetismo, poder de comprar, pobreza… As fotografias ao alto são mera ilustração provinda desse tempo “glorioso” que o Ventura tanto deseja ver recuperado e enaltecido. Autoria: Luciano Rodrigues, algarvio de nascença, fixado em Rio Maior, a terra das mocas e do pão amassado por imigrantes nepaleses. Foram tiradas no Porto, chamou-lhes então o artista: “Turismo”.

Sem comentários: