O protofascista de serviço foi a Portalegre anunciar que
é candidato a Presidente da República, declarando-se nas tintas para a Constituição
da República Portuguesa e para o regime. Ele sabe que, em sendo eleito, tem de
jurar fidelidade à Constituição para a qual se está nas tintas, o que o coloca
ao nível de um noivo que trai o cônjuge no próprio dia do casamento. Imagem
nada abonatória, pouco católica, mas para a qual quem o aplaude parece também estar-se nas
tintas. Para este apaixonado do “Integralismo Lusitano” o regime está podre, já
não serve. Serve, pelo menos, para ele beneficiar do estatuto de deputado inimputável,
propondo medidas tão inovadoras como o repovoamento do interior com os
miseráveis do litoral. Swift não faria melhor.
Um professor é agredido por um
aluno, vergonha. Um polícia é agredido por um meliante, vergonha. Um doente morre à espera num hospital, vergonha. Ventura agride tudo e todos com os seus
reiterados insultos à mais básica inteligência democrática, aplausos. Venha daí a prisão perpétua e a castração, sem dúvida medidas tendo em vista um futuro digno e promissor. Há, no
entanto, uma metodologia curiosa neste tipo de discurso populista,
protofascista, saudosista no pior sentido, que tem sido pouco discutida.
Não
vejo ninguém a dizer tanto mal do nosso país como André Ventura, ao mesmo tempo
que se mostra indignado contra todos aqueles que apontam um passado bem mais
negro do que o presente. O método é simples: fazer o auditório acreditar num
passado glorioso que, esmiuçada a história, nunca existiu, levando a crer numa
degenerescência do presente que transforma toda a actualidade em destroços,
ruínas, decadência. A verdade é que nunca estivemos tão bem,
sobretudo estamos muito melhor do que estávamos quando havia Inquisição,
esclavagismo, colónias, censura… Há que dizê-lo com toda a frontalidade: esta merda nunca esteve tão boa, lamento.
Ninguém discordará de inúmeras vergonhas
apontadas por Ventura, ainda que a histeria com que as aponta seja aldrabona,
capciosa, patológica. Nem um cego poderia dizer que não existem problemas, pois
há problemas que nem precisam ser vistos. Um deles é o próprio Ventura. Já deu
para perceber que o seu eleitorado não está interessado no seu programa, é um
eleitorado carente de estardalhaço, aquele tipo de eleitorado que tanto se
entusiasma com o Valentim Loureiro aos berros na televisão como com um António
Marinho e Pinto antes de lhe terem arranjado um taxo como eurodeputado. É o
eleitorado que salivava com as teses catastrofistas de um Medina Carreira, para
quem o país tinha batido no fundo para não mais se levantar (ainda que por cá
andemos, uns mais à superfície do que outros).
Em democracia, é certo, não há bons e maus
eleitores. Há pessoas mais ou menos informadas, há eleitorados mais ou menos
vulneráveis, há gente mais ou menos indefesa e permeável à banha da cobra, à
intrujice ao discurso burlão. O que há de perigoso nisto é poderem os olhos
abrir-se tardiamente, quando o mal já está feito. Ora, num país em que casa
roubada, trancas à porta, urge tornar claras as tácticas do trapaceiro. Sempre
que ele disser muito mal do "estado a que isto chegou", lembrem-se que "isto" nunca
esteve tão bom e que está bem melhor do que na maior parte do mundo (o que não
quer dizer, obviamente, que esteja perfeito). E sempre que ele apelar às
glórias dos nossos avós, podem fazer este exercício simples de pensarem na
imensa maioria dos avós dos portugueses que estão hoje vivos.
Pela parte que me
toca, do lado do pai eram dois alcoólicos. Da parte da mãe, uma era
analfabeta e o outro morreu vítima de cancro sem grandes cuidados nem conforto.
Vestia-se mal, comia-se pior. A imagem que lá fora tinham de nós era sábia e é sabida, povo
atrasado e inculto, mulheres com bigode e desdentadas, homens de cajado na mão
a cuspir para a terra e a urinar nas esquinas. Higiene era coisa pouca. Os
números dizem o resto: mortalidade infantil, analfabetismo, poder de comprar,
pobreza… As fotografias ao alto são mera ilustração provinda desse tempo “glorioso”
que o Ventura tanto deseja ver recuperado e enaltecido. Autoria: Luciano Rodrigues,
algarvio de nascença, fixado em Rio Maior, a terra das mocas e do pão amassado
por imigrantes nepaleses. Foram tiradas no Porto, chamou-lhes então o artista: “Turismo”.

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