DE UM SÓ TRAGO
De todas as maneiras que a solidão
escolhe para nos derrotar
nenhuma tão lenta e cruel
como a que nos faz acreditar
de novo no amor, ao mesmo tempo
que nos retira as forças para injuriá-lo
quando as promessas se revelam vãs
e percebemos que a chama que nos alenta
é a mesma que nos extingue.
E de nada serve pelos restantes dias
mostrarmo-nos compassivos
de nós mesmos, com a certeza de que
em todas as praças há um corpo apedrejado,
em todas as casas uma janela opaca,
em todos os quartos uma boca sem voz,
em todas as palavras a lembrança de outras
mais amadas e que um dia nos pertencerão.
A dor deve ser bebida em silêncio
de um só trago, ao balcão de um bar,
depois de todos haverem já partido.
Jorge Gomes Miranda, in Este Mundo, Sem Abrigo, Relógio D'Água, Novembro de 2003, p. 44.
2 comentários:
Gostei muito. Parabéns pelo belo e impactante poema.
Eu (ainda) não tinha encontrado as palavras certas...
Afinal estavam aqui, no poema-lindo.
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