O estado de emergência foi declarado a 18 de Março, vindo
a ser renovado até à sua cessação a 2 de Maio. Fui, desde o início, contra o
uso desta figura de “estado de excepção”, por razões que é escusado continuar a
discutir. Já foi. Espero que o que foi não volte a ser. Entretanto, apanhámos com
as comemorações do 25 de Abril e do 1 de Maio pelo meio. Mereceram desde a
primeira hora a contestação de uma franja da sociedade que, em boa verdade,
nunca comemorou o 25 de Abril na vida, levando de arrasto toda uma série de
ingénuos que gostam de ser mais papistas do que o Papa. Havia aquela coisa do
ir além da troika, passámos a ter uma outra: ir além do que o estado de
emergência decreta. A verdade é que em nenhuma das celebrações foram
desrespeitados os preceitos decretados por políticos democraticamente eleitos.
Se isto ficou mais ou menos patente no 25 de Abril, parece que no 1 de Maio nem
por isso. Por um lado, critica-se a manifestação em si (havendo até quem fale
numa enchente na Alameda, provavelmente por nunca a ter visto cheia); por outro
lado, critica-se o aparato à laia de parada militar, garantindo o respeito
pelas regras vigentes. É o mesmo aparato que encontrei das poucas vezes que saí
de casa nos dois últimos meses, fosse na fila dos CTT ou à entrada do
supermercado… Se calhar estamos todos transformados em soldadinhos de chumbo, pelo que não estranharia uma proposta que viesse a marcar com ferro em brasa todos os participantes do 1 de Maio na Alameda que venham a ser diagnosticados com covid-19.
Parece-me haver uma contradição nos termos das críticas, já que para
soldadinhos de sofá servimos todos, mas para celebradores da liberdade e do
trabalho nem por isso. Assim sendo, deixem-me dizer que tenho apreciado muito a
preocupação da generalidade das pessoas com o bem-estar comum. Há na sociedade
portuguesa, neste momento, uma emotividade gregária que me comove. O partido
único da máscara e das luvas e do gel desinfectante aí está para nos unir em
torno de uma causa: a higienização de uma sociedade disposta a abdicar de todos
os seus direitos se for esse o preço cobrado pelo “vírus chinês”. Tem piada que
os mais críticos do regime de Xi Jinping se estejam a transformar, talvez até
sem darem por isso, em “badarós” obedientes ao lema “fica em casa”, com um arco-íris
de esperança (ia dizer utópico) a brilhar no horizonte. Foram mais papistas do
que o Papa, talvez queiram agora ser mais chineses do que os chineses. Hosanas
a este liberalismo higienista, a esta reverência democrática, a esta
perspectivação de uma sociedade servil porque quer, não porque a obriguem a
ser, que por certo não hesitará em fornecer todos os dados pessoais que o
Estado lhe vier a cobrar como garantia de boa, moderada e “yes sir” cidadania.
Agora que a emergência está nas últimas, esperemos que num futuro próximo continuem
todos a fazer respeitosamente o seu percurso diário de casa para o trabalho e
do trabalho para casa. Usem as redes sociais para comunicar, optem pelo
teletrabalho, forniquem à distância e, pelo amor à santa asséptica, sem
despirem luvas nem máscara. Nada de praia, nada de shoppings, nada de nada, a
bem de todos em geral e deste que vos fala em particular. O país carece do
vosso empenho, especialmente do vosso, que tão preocupados estais com um viva à
liberdade e um vivam os trabalhadores (socialmente distanciados por dois metros
e um nariz de proteccionismo social, claro).
2 comentários:
Bravo, camarada.
acresce que a taxa de transmissão em espaços abertos, segundo vários estudos publicados, é residual.
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