terça-feira, 12 de maio de 2020

UM POEMA DE JOÃO PAULO ESTEVES DA SILVA


O CORAÇÃO DO ADÃO

Ainda não é a vida nem a morte, por enquanto,
mas, ainda assim, pressinto a turba que se apinha, lenta,
nas praças, nas ruas, nos cafés cibernéticos, sinto
a sede de sangue nas confissões amorosas
e na defesa das causas mais belas e justas.

Homo homini lupus não é uma história a dois,
como queremos imaginar, não se trata, aqui,
do mal que um indivíduo faz a um outro;
Este 'homo' da sentença é uma alcateia, só o 'homini' está sozinho.

Ele está sozinho e os lobisomens aumentam em redor;
já só com asas poderá escapar, dá-lhe asas, meu deus.
Ou, então, transforma-o nalguma planta sombria

ou num penedo sobre o mar, uma rocha viva.
Recrutaram todas as boas almas; temo por ti.
Um rato pendente na boca dum gato terá melhor destino.


João Paulo Esteves da Silva, in "O Coração do Adão", Douda Correria, Setembro de 2019, p. 47.

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