quarta-feira, 10 de junho de 2020

DE UMA ENTREVISTA



(...)

Uma vez que viveu dezassete anos na Alemanha, onde leccionou na Universidade de Heidelberg, o que é que lhe deram, comparativamente, a Alemanha e Portugal?

Isso é uma equação a várias incógnitas. Falar de mim no passado tem algo de incógnita e é transformado pelas experiências do presente e, acima de tudo, eu vivi na Alemanha e em Portugal em períodos diferentes da minha vida. Portugal deu-me a língua e uma perspectiva do mundo, que é uma perspectiva de quem está num canto e, precisamente por estar nesse canto, está sempre a evocar digressões por este mundo fora para se sentir cosmopolita. 

E são cosmopolitas, os portugueses?

Não. Os portugueses não são cosmopolitas. Os portugueses regressam como as andorinhas e os salmões ao lugar onde nasceram, que é onde se sentem bem...

Como o Alberto Pimenta...

Como eu... porque são, por temperamento e mentalidade, um bocadinho acanhados, tímidos, ensimesmados, ou seja, metidos em si mesmos. A Alemanha deu-me uma outra língua, com um outro modo de organizar o mundo em volta, e deu-me uma perspectiva a partir de um centro - o centro da Europa. Do lugar onde eu vivia, podia ir em poucas horas a Milão, ou a Praga, ou a Viena, ou a Berlim, ou a Bruxelas, ou a Paris. Isso dá aquela sensação que eu acho que é a da verdadeira liberdade, que não é exactamente fazer, mas saber que se pode fazer e que é fácil fazer. A Alemanha deu-me, sobretudo, o que qualquer outro país me teria dado, mas à sua própria maneira, que é: um termo de comparação. Não há nenhuma espécie de conhecimento que não seja por comparação. E eu fiquei a conhecer Portugal com alguma objectividade depois de o poder comparar com um país bastante diferente na estrutura das organizações e das instituições e nas prioridades de vida. A Alemanha deu-me também contacto indirecto e directo com teorizadores e praticantes duma estética inserida numa tradição distinta e, sobretudo, contemporânea na sua razão de ser: Adorno, S. Schmidt, Emmett Williams, Gomringer, por exemplo.

(...)

O que é que lhe desagrada mais nos outros países e o que é que lhe desagrada mais em Portugal?

O que mais me desagrada na Alemanha é que, quando chega a ocasião, são os grandes assassinos. O que mais me desagrada na Rússia é que, quando chega a ocasião, são os grandes assassinos. O que mais me desagrada em Portugal é que, quando chega a ocasião, são os grandes assassinos. O que mais me desagrada nos Estados Unidos da América é que a ocasião está agora a chegar praticamente todos os dias... E depois disto, o resto nem conta.

(...)

Portugal é um país de poetas?

Se a poesia é o sol dos dias e a lua das noites, então Portugal é um país de poetas. Agora se a poesia é uma comunicação que põe em causa a triste lógica da comunicação trivial, então Portugal não é um país de poetas, porque a maioria da poesia portuguesa é uma comunicação trivial. A lógica da comunicação desenvolve-se em três grandes áreas: uma ideológica, uma pragmática e uma estética. Nenhuma delas interessa à poesia, porque a última (a estética) é teórica e limita-se a fazer cânones e classificações, que têm valor histórico, mas não criativo; a comunicação pragmática inclui tudo, tudo o que há que acontece, mas, se não tiver transformação discursiva não passa de um fait-divers; e, sobretudo, a comunicação ideológica é impertinente porque desde há mais de dois mil anos que há filósofos a pensarem e políticos a obrarem para chegarmos ao ponto em que estamos. Das duas uma: ou a diferença entre ricos e pobres é estrutural ou nunca poderá ser eliminada. E, então, por que é que fingem todos o contrário? Ou, então, se pode ser eliminada, por que é que o não foi ainda?

(...)

Alberto Pimenta, em entrevista a António Pocinho, revista LER - Livros & Editores, Verão de 1999, n.º 46, Fundação Círculo de Leitores, pp. 50-57. 

1 comentário:

sonia disse...

Um país que tem Fernando Pessoa como ser imortal, poeta por excelência e escritor dos melhores do mundo, tem tudo, Não pode querer mais nada!!!
Abraços do Brasil.