(...)
Levanto-me e vou à cozinha beber um copo de água. O líquido ressuscita a traqueia, chocalha-me no estômago enquanto regresso à mesa de trabalho. Concordâncias, um sinónimo cravado como uma estaca no coração da banalidade, do meu sangue não beberás, ó treva verbal em que esbraceja a mesma gente que vota, que leva as crianças à escola, que engrossa as filas bárbaras dos supermercados. Palha. Palha em todos os ficheiros de todos os computadores, palha em todos os centros comerciais de todas as cidades. Palha para a morte enfardar e despenhar no precipício. Somos todos mirones desse pélago. Já nem lhe temos nojo. Metemos qualquer coisa no bucho e ficamos a ruminar, já com os pés a balouçar no vazio. E eu igual. O horror é esse: e eu igual.
(...)
Vasco Gato, in Adius, Abysmo, Fevereiro de 2020, pp. 86-87.
Sem comentários:
Enviar um comentário