terça-feira, 28 de julho de 2020

UM POEMA DE RUY CINATTI



RACISMO

1957

Meu Deus, Deus meu,
Um Cristo preto!
Não pode ser!

1974

Deus meu, meu Deus!
Os meus filhinhos
— agora homens 
querem-Lhe tanto!

(Lembremos a primeira data para comemorar a estreia no Tivoli do Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, espectáculo notável repassado de cristianíssimo espírito, mas tão mal compreendido por muita piedosa gente — bem pensante... — que se fez eco, não o tendo convivido — ainda por cima — do mais odioso partidarismo sacristático, não sei bem porquê... A alguma dessa gente, minha conhecida — e a que me ligam ainda estreitos laços de responsável amizade — ouvi eu comentários que abrangendo condenatoriamente o meu entusiasmo, se sublinhavam de incrível conselheirismo, e do mais visceral racismo cultural. «Não é tanto por nós — afirmavam — mas um espectáculo desses pode induzir em erro os nossos filhos.» Assim aconteceu numa das «abadias» do catolicismo «fino» lisboeta, Sic transit, a segunda data — para escarmento dessa piedosa gente! Crredo! Uma pessoa já não pode ser sincera!

3/6/74

Ruy Cinatti, do livro O A Fazer, Faz-se, 1974, in Obra Poética — Volume I, prefácio de Joana Matos Frias, Assírio & Alvim, Outubro de 2016, p. 1082.



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