Há toda uma nomenclatura associada à covid-19 que recusei adoptar desde o início: "novo normal", "distanciamento social", "vai ficar tudo bem"... Acredito num poder subliminar das palavras, o poder de nos transformarem sub-repticiamente, de moldarem o pensamento e, por consequência, condicionarem atitudes, gestos, comportamentos. As palavras não são inocentes. Talvez seja inocente o uso que a maioria das pessoas dá às palavras, mas jamais as palavras elas mesmas e o modo e a forma como se intrometem no quotidiano.
Agrada-me registar que, a passo de caracol, começa a emergir um discurso desconfiado, crítico, esclarecido, da tal nomenclatura. É o discurso que melhor se opõe à paranóia instalada e à ágil manipulação dessa mesma paranóia, levando as pessoas a confiar em procedimentos securitários e higienistas que mais não são do que pretextos para controlar, explorar, submeter. Sim, a liberdade está em causa. Andar ou deixar de andar com o rosto tapado por uma máscara é só a face ridícula de uma discussão que tem de ser feita. Fechar as pessoas em casa, ligando-as virtualmente através de zooms e congéneres, não é solução para o futuro, é apenas e tão-sómente clausura consentida, uma espécie de autocondenação disfarçada de imposto, a bem de todos, diz-se, como se fosse um bem deixar de conviver olhos nos olhos.
Penso nisto depois de uma noite mal dormida, inquietado pela mão trémula da rapariga que me serviu um café e um pastel de nata. Se estar na presença do outro, antes da covid-19, já era tantas vezes sinal de constrangimentos e adversidades, começa a ser, agora, motivo de medo. O que podemos esperar de uma sociedade em que as pessoas têm medo de estar umas com as outras? Misantropia? Mais egoísmo? Servidão.
1 comentário:
Vai dormir...
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