domingo, 25 de outubro de 2020

DIANE DI PRIMA (1934-2020)

 


  Nasceu em Brooklyn, Nova Iorque, no dia 6 de Agosto de 1934. A inclinação para a poesia revelou-se muito cedo, embora tenha publicado o primeiro livro apenas em 1958. This Kind of Bird Flies Backward, o tal que não podia ser edItado porque ninguém aceitaria o calão das ruas num poema, apareceu na Totem Press de Hetti e LeRoi Jones. Foi amante deste, tiveram um filho, pariram 21 números da revista The Floating Bear entre 1961 e 1963. Isto foi antes de LeRoi mudar o nome para Amiri Baraka na sequência do assassinato de Malcolm X. E foi antes de Diane se mudar para a Califórnia, juntando-se aos Diggers de Emmett Grogan e Peter Coyote (esse mesmo, o actor).
   Porém, Diane di Prima acabaria por ficar conhecida pelo envolvimento no movimento Beat, de que deu conta nas suas Memórias de uma Beatnik (1969), traduzidas para português por Maria Augusta Júdice e publicadas pela Editorial Teorema em Maio de 1999. Memórias ficcionadas, de fortíssimo cariz erótico, com uma casa na West Village a servir de cenário para todo o tipo de aventuras sexuais. Crendo no que relata num dos capítulos finais, foi a leitura de O Uivo que a levou ao grupo de Ginsberg. Dos primeiros tempos diz: «Tínhamos passado por uma grande variedade de brincadeiras estéticas: pequenas revistas que não tínhamos dinheiro para pagar, projectos de teatro em gigantescas águas-furtadas que nunca se concretizaram, uma visita minha e da Susan a Ezra Pound, que queria que mudássemos sozinhas a natureza da programação da televisão nacional» (p. 157).
   Uma frase sintetiza o sentimento geral da juventude norte-americana daquele período: «Naquela altura, parecia não haver saída» (p. 159). A saída encontrou-a Diane na leitura de O Uivo, seguida de um primeiro encontro com Ginsberg e Kerouac que acabou em orgia com muita erva e haxixe à mistura. Amor e liberdade são os princípios pelos quais se regem as memórias, testemunho imprescindível de uma geração e do papel que uma mulher pôde nela desempenhar. Tornou-se budista, como era suposto, e foi para as ruas protestar contra a guerra no Vietname. 
   Durante a década de 1980 dedicou-se ao estudo e ao ensino das relações entre poesia e esoterismo, investindo também desde então numa luta constante pelos direitos das minorias e contra o preconceito. Publicou mais de trinta livros ao longo da sua vida, muitos deles na City Lights de Lawrence Ferlinghetti. Que saibamos, não há muito dela em língua portuguesa. Manuel de Seabra incluiu-a na Antologia da Novíssima Poesia Norte-Americana (Editorial Futura, 1973) com dois poemas. Um deles está aqui, o outro é este:
 
O VISITANTE
 
Bem disse ele então és o Lee. Estava de pé à porta.
Sim disse eu. Não o conhecia. Sou o Lee.
Queria conhecer-te disse ele. A Jackie falou-me de ti.
Oh disse eu. Entra.
Ele entrou e sentou-se na cama.
A miúda lá em Rockland disse eu. Como está ela.
Bem disse ele. Sorriu. A sério está mesmo bem. Gosta daquilo por lá disse ele.
Bem disse eu. Ele metia-me medo. Oiça disse eu sobre o que é que me queria falar.
Foi lá que encontrei a Jackie disse ele. Em Rockland. Terapia ocupacional. Fizemos coisas.
Oh disse eu.
Tu escreves poesia disse ele. Olhou para mim.
Sim disse eu.
A Jackie mostrou-me alguma poesia que tu escreveste disse ele. Mandaste-lhe uma carta.
Sim? disse eu. Não me lembrava.
Ele disse sim mandaste-lhe. Depois ele disse porque é que escreves poesia.
Não disse nada. Tinha deixado de pensar nisso há muito tempo.
Eu costumava escrever poesia disse ele.
Sim? disse eu.
Sim disse ele. Costumava escrever dia e noite.
Porque paraste? disse eu. Não sabia que dizer mais.
Queimei tudo disse ele. Antes de ir para Rockland.
Oh disse eu.
A Jackie deu-me a tua morada disse ele. Estava no envelope.
Depois ele disse não consigo perceber porque é que alguém faz seja o que for.
Eu disse merda pá é preciso fazer qualquer coisa. Disse aquilo muito alto.
Ficou ali sentado um bocado. Estava a escurecer. Acendi todas as luzes da casa.
Depois disse ele comecei outra vez.
Sim? disse eu.
Sim disse ele. Às vezes tem que ser. Não posso evitar. Depois ele disse agora ainda não queimei nada.
Belo disse eu. Pensei que ainda falava de poesia. Gostava de ler alguma coisa.
Talvez para quando arranjar emprego disse ele. Achas que sim?
Não disse nada.
Espero que sim disse ele é tão estúpido escrever.
Gostava realmente de ver a tua poesia disse-lhe eu.
É muito amável disse ele. Eu gostei da tua. Jackie mostrou-ma.
Levantou-se e vestiu o casado. Ontem escrevi bastante disse ele. Catorze horas.
Foi até à porta. Penso que vou parar não tarda disse ele ou então queimo tudo outra vez. Como que riu.
Abri-lhe a porta.
Talvez queime tudo outra vez disse ele.
Traga-me alguma coisa qualquer dia disse eu. Gostava de ler.
Ele estava no patamar mas parou e olhou para mim.
Gostava mesmo de ler qualquer coisa disse-lhe eu.
Sim disse ele.
 
Outras referências a Diane di Prima neste weblog: aqui, sobre beijos; aqui, à laia de parabéns. 

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