quinta-feira, 22 de outubro de 2020

UM POEMA DE JOÃO HABITUALMENTE

 


A QUEDA DO GOVERNO

isto está tão bom
que tanto faz

pois é
o governo anterior não fez
já não há que pôr no prato
já não há que pôr no prego
combater o desemprego?
mas se o anterior não fez
pelo menos é o que este diz

isto está tão mau
que tanto faz o que se diz
que tanto faz quem fez
o governo que aí vem
é o futuro em marcha atrás
é o passado outra vez
é o anda nem desanda
já não há que pôr no prego
vou virar o bico ao prato
está a subir o desemprego
e a estalar o desacato
bem vês
ninguém põe os pontos nos iis
tanto faz o que se diz
tanto faz o que se fez
o governo caiu ontem
perco a mulher outra vez
queremos medidas de fundo
e um prego
e um prato
um pensamento profundo
um ministro embalsamado
um chouriço, um presunto
um doido bem penteado
e um careca varrido.
o que se faz
o que se diz
que o governo não fez
nem hoje nem há um mês
oh!, mas não vás
olha-me ali pr'aqueles cus
o quê? Tanto te faz?
ai o governo quer bis?
ora bolas! Mas bem vês
não há mas nem meio mas
ainda perco o emprego
hei de comer-te no prato
hás de te espetar no prego
ora mostra lá o umbigo
para quê? Isso é comigo
espera-me ali no café
espera-me no lá-de-lá
não te esqueças vai votar
neste que diz que fez
naquele que diz que faz
no outro que faz que diz
agarra-te a uma voz
vai até ao infinito
agarra-te a um pau de giz
come chouriço e presunto
olha a queda do governo
olha o tombo do defunto
canta lá uma cantiga
grândolavilamorena

João Habitualmente, in Um dia tudo isto será meu [uma antologia], Porto Editora, Setembro de 2019, pp. 137-139.

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