terça-feira, 10 de novembro de 2020

FLEURETTE AFRICAINE (1962)


 

A meu pai.

 

O perfume a roupa lavada liberta-se dos estendais, voluteando no ar até sossegar sobre a terra como um manto de sementes. O aroma enraíza-se, então, frágil e persistente, obedecendo ao ritmo das estações que, de ano para ano, nos brindam com papoilas passageiras. Minha mãe está fechada num quarto de hospital, sonhando sabe-se lá com quê durante as intermediáveis vinte e quatros horas do dia. Levaram-lhe uma orquídea ao quarto para que pudesse reconfortar-se com vida contemplando as pétalas, omitindo que, pouco depois, a flor se despediu do mundo entre sacos de lixo com gaze manchado de sangue, máscaras cirúrgicas, fraldas. Meu pai está preocupado que ela não venha a saber de uma flor nova desabrochada no quintal. Talvez seja africana, aqui trazida pelo vento.

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