Divertimento n.º 10 (As gruas)
São sete as gruas que registo
Na tarde vagarosa de cidade
Onde um tempo nunca visto
Surge e se revela em claridade.
Nuvens brancas dizem melhoria
Horizonte da paisagem em écran
Amanhã vai nascer um novo dia
Mundo com menos uma manhã.
Divertimento n.º 16 (Hospital)
Não fosse a cruz prateada
Na sala de espera vulgar
Ninguém daria por nada
Duas mulheres a esperar.
Nesta moderna liturgia
Tempo antigo e eterno
Quem diria, quem diria
Um telemóvel moderno.
Divertimento n.º 19 (Nome)
Teu nome é uma caixa de segredos
A chave pode estar numa caneta
O poema que escapa pelos dedos
Já procura descobrir esse planeta.
Mesmo que ninguém dê por nada
O dia nesta cidade é uma batalha
Teu nome é uma paisagem povoada
O verso é este ofício que me calha.
Divertimento n.º 37 (Motivo)
Um poema, uma canção, uma mentira
Tudo isto cabe no desenho do futuro
No entanto há por aí quem prefira
Fingir de outro modo mais seguro.
Mais frágil e exposto e precário
Assim em cada linha uma certeza
Nas folhas perdidas do calendário
A solidão marca lugar a esta mesa.
José do Carmo Francisco, in Rosa Luz e Outros Poemas, Apenas Livros, Outubro de 2019.
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