segunda-feira, 22 de novembro de 2021

UM POEMA DE JOÃO PEDRO GRABATO DIAS

 


12/3/77

Tenho no arquivo das opções operativas
uma gaveta de tédio que abro às vezes.
Gosto de sentir o desconforto assumido logo que digo:
Que chatice de vida! Que spleen! Que cafard!
Quedo-me tão regozijado quanto me sei sem razão
e porque sei a cachimbada uma intrusa carrego o cachimbo.
É inevitável. Sabe-me mal a boca. Tinha razão.
Ó alegria, que chatice a vida!

Que aconteceu entre mim e os velhos amigos
despindo a pouco e pouco a veste que eram?
Estão todos aqui no cabide vazios de bafo.
Estão todos aqui onde não esperaram chegar.
Será minha esta culpa de estar feito menina de vestiário
com as mãos cheias de senhas coladas por bolores eficazes
e os olhos fixos na saída da sala do espectáculo?
Ó tristeza, que chatice a vida!

Onde estão todas as vozes escritas e acreditadas
na primavera própria para acreditar em vozes?
Não fugi a nada. Não penso ser surdimutis.
Que aconteceu portanto a toda a banda de som
na distância que cresce medonha entre mim e isso
que era o consultar contente das pedras lavradas?
Será minha esta culpa de estar na cadeira sentado
olhando crescer a distância fora do espaço do tempo?
Ó tristeza, que chatice a vida!

Porque me perturbo com um verso saído a mais sem mais
excessivo mas maduro e esperando ser prestável?
Em nome de que rigor me apoio para cortá-lo
sabendo-o essencial como uma mão com dedos
operando à revelia da sua própria vontade?
Na distância medonha que cresce entre mim e isso
que seria o vulnerável do verso abatido à carga
é a tristeza uma chatice, vida?

Que me seduz: o tédio, ou tê-lo em arquivo?
Tê-lo assim chamável a qualquer hora do dia
é só salgar a carne, de outro modo insossa
ou apenas ocultar de mim o que em mim contido
serve de continente ou mortalha? Ó tristeza!
Levo de vencida o poema como quem varre cinzas
e vejo-as tomar formas próprias a partir do chão.
...Chatice e facúndia. Ó manas alegres!

João Pedro Grabato Dias, in Sagapress - poesia com datas, edições pouco, 1992, s/p.

1 comentário:

sonia disse...

Aprendi que m,eus unicos amigos são meus filhos e minhas cachorras. :)