quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

ECHO (1977)

 


Nunca nasceram tão poucas crianças, é mais um record para o país num ano em que fomos diariamente brindados com contagens de óbitos. Lúgubre incumbência em tempos de pandemia. Entretanto, a esperança de que o vírus seja controlado não afasta a possibilidade de, no futuro, abrirmos diariamente os telejornais com contagens de mortos e suas causas, doenças do aparelho circulatório, tumores malignos, que há deles bonzinhos, não matam, doenças endócrinas, nutricionais, metabólicas, uma mortalidade em tempo real na boca de pivots devidamente maquilhados. Hoje morreram, de causas naturais, 26 pessoas no país. Calvin olha-as estendidas no leito, aponta-as e diz para Hobbes: «Não são tão belos? Tão delicados.» Imagino-os a entrarem no além-mundo como um bebé entra na finitude, aos berros. Se, ao nascer, a criança chora por se perceber finita, ao morrer o cadáver lamenta uma eternidade de silêncio e de paz, o torpor perpétuo da ausência e de uma escuridão que nos há-de arrumar indistintamente no esquecimento. A morte está grávida de futuro, disso não tenhamos dúvidas. Que o futuro seja a tinta extinguindo-se na página impressa, como um eco chegando de longe até nós, isso já é questionável.  

2 comentários:

Transhümantes disse...

"Durante o controle de natalidade posto em prática naqueles anos os homens do futuro engravidaram a Morte apagaram a luz e conduziram a Eternidade. Soube-se que nunca mais ninguém nasceu."
Um feliz ano 2022 com a lucidez necessária.

hmbf disse...

Obrigado e igualmente. Saúde.