terça-feira, 4 de janeiro de 2022

OS SEM-ROSTO

Os sem rosto estão do outro lado, acreditamos que sim, confiamos na presença de um corpo por detrás do nome que surge no monitor. Estão ouvindo o que dizemos para quem supomos estar a ouvir-nos. São alunos-novos, formandos-novos, como outrora os cristãos-novos numa condição nem sim nem sopas, porque são e não são ao mesmo tempo. Esta realidade da formação online é o mundo possível num mundo supostamente mais amplo, mas verdadeiramente mais estreitado. Porque falta a presença do outro, dos movimentos na cadeira, dos esgares do rosto, a mão espontaneamente erguida para interromper, questionar, desafiar, em vez daquele boneco amarelo que acena ao longe, de um buraco negro, como se nos dissesse adeus, um buraco onde não vimos caras nem sentimos cheiros nem percepcionamos reacções. É quase como falarmos para uma estátua, um vazio. Ou talvez se assemelhe a um programa radiofónico. Mas na rádio dizem-se coisas, a formação é mais do que dizer coisas. Exige interacção, partilha, descoberta, uns com os outros. Às vezes a rede trai o ideal tecnológico e ficamos sem voz, o rosto parado numa imagem fixa, como se nos tivéssemos transformado numa estátua. E é nesse momento que nos descobrimos humanos.

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