sábado, 1 de janeiro de 2022

UM POEMA DE MARÍA JESÚS ECHEVARRÍA

 


SUBPOEMA

E tu, monte de trapos.
Boneco, marioneta de um teatro tristíssimo.
Manipanso carregado de terrores
seguindo em fila como um colegial da vida.

E tu, como uma vara frágil e antiga.
Feito de angústia, irmão meu.

Assustas-me sempre que se atiça
essa chispa fortíssima dos teus olhos,
esse cílio que incessantemente agitas
e esconde a delicada amiba do teu espírito.

Sei muito acerca de ti. Fizeram-te
de um raro material branco e brilhante,
verteram sobre ele
a aborrecida obrigação da existência.
Assim, feito de trapos.
Boneco de serradura.
Os teus modos teatrais de papelão
vão ficar em pasta com a chuva
e morrerás em lágrimas.
Ainda que também pudesses morrer de queitude
e somente abrir os olhos
nas Festas à Vida dos outros.
Como os altos e empoeirados monstros
nos esconsos das nossas catedrais.

María Jesús Echevarría, in Poemas da Cidade, tradução de Paulo da Costa Domingos, Barco Bêbado, Agosto de 2021, p. 37. 

Viveu apenas 30 anos, metade dos quais a escrever. Deixou publicados um romance, Las medias palabras (Prémio Elisenda de Montcada, 1959), e Poemas de la ciudad (1961). María Jesús Echevarría nasceu em Madrid, no dia 29 de Setembro de 1932. Formou-se em Filosofia e Letras na Universidad Central, especializando-se em História. Viveu, por duas ocasiões, nos EUA, como estudante interna e como leitora universitária e correspondente de imprensa. Os Poemas da Cidade (Barco Bêbado, Agosto de 2021), agora traduzidos para português por Paulo da Costa Domingos, reflectem esse período. Depois de colaboração dispersa por revistas universitárias, trabalhou para El Español, desde 1955, e La Estafeta Literaria. Publicou ainda La sonrisa y la hormiga, cuja acção decorre nos Estados Unidos, tomo de uma suposta trilogia sobre a desumanização das grandes cidades. Faleceu no dia 17 de Agosto de 1963. Os jornais falaram de “muerte repentina”.

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