Era uma vez um músico de rua que ficou
no desemprego. Foi quando se acabaram as ruas e as pessoas nelas. O mundo
inteiro fechado em casa, a ver filmes e séries da Netflix, consumindo directos do
Instagram como quem vai ao teatro (extinguiram-se), mandando vir almoço e
jantar pelos Chefs em Casa, plataforma de food delivery, assim mesmo, em
inglês, por ser a língua que mais convém a quem se fecha em casa a correr em
passadeiras eléctricas ao som de Ian Simmonds, As ruas morreram. E as pessoas
nelas. Sobram vias alcatroadas por onde circulam carrinhas apressadas e
estafetas desorientados ao serviço de strat-ups espanholas. Deve ter sido
ontem, um pouco antes de amanhã, que o último músico de rua pegou no saxofone e
escolheu uma esquina onde aterrar o boné vazio. Nem uma moeda, apesar dos solos
encantadores de melgas e de mosquitos. Uma borboleta também por ali passou, por
engano. Era uma música inaudita a que ele produzia, circulando como pólenes por
vielas vazias e avenidas despidas de carne. Dentro dos apartamentos, com as
janelas fechadas, calafetadas, agarradas a smartphones, as pessoas lactantes
cuidavam dos filhos copiando a preceito as instruções de tutoriais elaborados para
o efeito. Que música era aquela? Que bater no coração que abocanha o peito de
dentro para fora? De dentro para fora?
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022
OVERSTRETCHIN (2002)
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