sábado, 5 de fevereiro de 2022

TRÊS CRIATURAS E UM CORPO FEMININO

 


São três as criaturas que saem debaixo da cama/leito em que o corpo de Ofélia repousa jacente, sonhador. Criaturas como as que imaginávamos aí se esconderem quando, na infância, a mãe apagava a luz e dizia “até amanhã, dorme bem”. A gente fechava os olhos tentando adormecer, entregando o pensamento à imaginação e cedendo a imaginação ao sonho. O actor Ricardo Soares será a criatura branca, ressonância de guardador de rebanhos com feições de pastor amoroso, embora alérgico aos pólenes e outras coisas mais. Sobre Alberto Caeiro disse Ricardo Reis: «A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nele de que narrar. Seus poemas são o que viveu. Em tudo mais não houve incidentes, nem há história.» Pois claro, podia lá ser de outro modo. Mas que nos diz ele, enquanto observa e cheira e espirra? «Quando desejo encontrá-la, / Quase que prefiro não a encontrar, / Para não ter que a deixar depois.» Na imagem, à esquerda, o actor tenta encontrar a melhor maneira de pensar nela… sem espirrar. Fábio Costa será a criatura vermelha, uma criatura eventualmente sonhada, eventualmente imaginada. Entidade que resiste ao corpo querendo-se exclusivamente palavra, sonha com a eternidade imaterial do verbo e nela se cativa como um heterónimo que escrevesse: «Gostava de gostar de gostar. / Um momento… Dá-me de ali um cigarro, / Do maço em cima da mesa de cabeceira. / Continua… Dizias / Que no desenvolvimento da metafísica / De Kant a Hegel / Alguma coisa se perdeu. / Concordo em absoluto. / Estive realmente a ouvir. / Nondum amabam et amara amabam (Santo Agostinho).» Tradução possível para a citação de Agostinho: «Ainda não amava e já gostava de amar». O poema é de Álvaro de Campos, nascido em Tavira, engenheiro naval formado em Glasgow. Andou pelo Oriente, onde se inspirou para escrever “Opiário”, e trabalhou em terras de Sua Majestade até ficar desempregado. Alto, magro, um pouco tendente a curvar-se, regressou a Portugal afundado em pessimismo. Pessoa diz que usava monóculo. Arrumou o amor próprio onde por regra se arrumam os penicos. Sobra a criatura preta, aqui sentada no seu trono de papel. Helenista “castrato”, servo do acaso e do destino, estóico sem dureza (o próprio o diz), tenro epicurista (acrescentamos), néscio com a boca cheia de aforismos, amante de Lídias oníricas, Neeras sem luz, Cloes onde limpar as solas dos sapatos sujos de monotonia, snob, patético, cretino. Quem mais? «Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho» — diz, como quem profere um mandamento de Deus. Também cita Santo Agostinho, a certa altura, com a veemência de um inquisidor. O actor António Parra oferece-lhe o que ele jamais sonhou ter: corpo. Ainda que não saiba o que fazer com o que tem, lá vai proferindo sentenças. Ó pálida Ofélia, com estes eunucos nunca mais te safas. “Na cama com Ofélia” estreia dia 17 de Fevereiro. Já estamos a aceitar reservas.
 
Ficha Artística
AUTOR | Henrique Manuel Bento Fialho
ENCENAÇÃO | Fernando Mora Ramos
CENOGRAFIA | José Serrão
FIGURINOS | Sara Miro
ILUMINAÇÃO | Jorge Ribeiro
INTERPRETAÇÃO | Marta Taveira, António Parra, Fábio Costa e Ricardo Soares
 
Apresentações até dia 12 de Março | de Quarta a Sábado às 21h30
Lotação reduzida.
Bilhete | 7.50€
Desconto Estudante, Sénior e grupos + 6 pessoas | 4.00€
M/14
Reservas:
Segunda a Sexta das 9h às 18h
Dias de Espectáculo até às 20h
262 823 302 | 966 186 871
[RESERVA OBRIGATÓRIA]
comunicacao@teatrodarainha.pt
www.teatrodarainha.pt

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