O filósofo José Viriato Soromenho-Marques é outro comuna
que passa a vida a teorizar. Entretanto, fica uma sugestão aos nobres
guerreiros tugas das redes sociais: comprem já os vossos equipamentos
de guerra, alistem-se e partam para combate ao lado dos vossos bravos. Tenham,
pelo menos, um pouco mais de tomates do que de língua e mostrem a fibra de que
são feitos. Eu sou objector de consciência assumido. Já desertei ainda antes de
haver embarcado.
DERROTA MÚTUA ASSEGURADA
Entre a chegada de Gorbachev ao poder em Moscovo (1985) e
a dissolução da URSS (1991) assistimos a um acontecimento sem paralelo na
história mundial: um império colocou à frente da sua própria sobrevivência, o
interesse da humanidade, evitando uma guerra nuclear generalizada que
conduziria a uma "destruição mútua assegurada" (mutual assured
destruction). A liderança de Gorbachev salvou a paz no mundo, mas com um custo
doloroso para a o povo russo. Na nova Rússia, do centralismo estalinista e de
economia planificada, transitou-se para um centralismo autocrático e para um
capitalismo brutal e oligárquico. Entre 1991 e 1994 a esperança de vida na
Rússia diminuiu 5 anos... Do lado ocidental, depois da simpatia inicial
por Gorby, ganhou a tese de que a Rússia tinha perdido a guerra-fria,
podendo doravante ser ignorada. Apesar das promessas de que a reunificação da
Alemanha não implicaria o alargamento para leste da NATO, a verdade é que esta
se efectuou em duas fases principais (1999 e 2004), integrando uma dezena de
aliados do ex-Pacto de Varsóvia, e mesmo ex-repúblicas soviéticas, como foi o
caso dos Estados bálticos. Como brilhantemente percebeu José Medeiros Ferreira
(ver seu artigo de 20-02-2007 no DN), num "discurso histórico" numa
conferência de segurança em Munique (10-02-2007), Putin interrompeu 15 anos de
"hibernação" russa: os interesses e a segurança da Rússia não
poderiam continuar a ser ignorados nas decisões dos EUA e aliados. Contudo, em
2008, a Geórgia e a Ucrânia foram convidadas a aderir à NATO.
A breve guerra desse ano na Geórgia, e a anexação da
Crimeia em 2014, mostraram que Putin tinha falado a sério em 2007: a Rússia
traçou uma linha vermelha à expansão de uma aliança militar, que considerava
fazer perigar a sua segurança nacional. O desastrado ativismo bélico da NATO e
dos EUA nos últimos 20 anos, num proselitismo democrático coberto de sangue e
ruínas, no Afeganistão, Iraque ou Líbia, ajudou a consolidar as reservas de
Moscovo.
Contudo, as razões russas contra a surdez da NATO, não
legitimam a ofensiva bélica em curso na Ucrânia. A desmesura dos meios usados,
esmaga a eventual bondade dos fins. A "neutralização" de Kiev pela
via das armas constitui um gesto inverso àquele de Gorbachev: Putin está a
arriscar a paz mundial para fazer prevalecer a sua visão de interesse nacional.
E fá-lo, com uma determinação desesperada, depois do fracasso do objectivo
russo de fazer da Ucrânia, nas fronteiras anteriores a 2014, uma nova
Finlândia, aceite por Moscovo e pelo Ocidente. Impedir a NATO de ficar com Sebastopol,
ou anexar as regiões de maioria russa em Donetsk e Lugansk, não são sinal de
uma vitória russa, mas uma perigosa operação de resgate de salvados. O que se
vai seguir será uma incerta escalada de perdas e danos.
As sanções vão fazer sofrer tanto a Rússia, quanto os
seus promotores, em particular a União Europeia. Os tambores de guerra vão
sobrepor-se à prioridade mundial do combate à crise ambiental e climática, que
exige uma necessária e urgente cooperação compulsória entre todas as grandes
potências. Desde a crise dos mísseis de Cuba que nunca estivemos tão perto de
uma situação em que um desaire, um erro de análise, uma ferida narcísica
perante a perspectiva de uma derrota convencional, possa fazer descarrilar o
conflito para o patamar nuclear. Mais do que nunca é preciso que a lucidez
prudente prevaleça sobre a precipitação e o ressentimento.
Viriato Soromenho-Marques.
Professor universitário
Ler: aqui.
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