Este fascínio pela guerra, a glorificação
dos heróis de guerra, este interesse pelos exterminadores implacáveis, é
fenómeno que jamais entenderei. Quando era livreiro vendia muitos livros sobre
guerra. Não me refiro a romances, mas a álbuns com fotografias de caças e de porta-aviões,
blindados e todo o tipo de armamento. Eu, que nem Risco alguma vez joguei,
ficava perplexo com aquele entusiasmo pelas máquinas da morte. São gostos que a
psicanálise explica e para os quais me sobra pouca paciência. Prefiro
lembrar-me do dia em que fui à inspecção.
Adiamentos sucessivos levaram a que cumprisse esse momento decisivo na vida de um homem-que-é-homem quando já era professor, partilhando em boxers corredores onde estavam, e isto é mesmo verdade, dois ou três alunos meus desse ano de 1997. Eram os mais burros, sublinhe-se. Prova disso mesmo foi o comentário de um deles: o professor fica mais giro de cuecas. Não eram cuecas, eram boxers. Adiante, que o momento alto da experiência estava por vir.
A certa altura, já depois dos testes psicotécnicos realizados, foram chamados três recrutas para consulta com psicólogo. Os nomes soaram nos altifalantes, toda a gente os ouviu. Um deles era um tipo todo platinado que trabalhava nas obras, tinha dado um trambolhão de um sexto andar que o deixou com próteses e parafusos espalhados pelo corpo todo. O outro apresentava-se tatuado dos pés à cabeça, piercings disseminados pelo rosto, umas argolas nas narinas que parecia um boi. Eu era o terceiro. Caramba, pensei, para o que havia de estar guardado, os burros dos alunos agora vão gozar comigo, amanhã chego à escola e chamam-me maluco, lá terei de explicar que uma pessoa não consulta psicólogos por ser maluca, mas por haver nela uma extrema sensibilidade que a distingue dos demais.
Quando entrei no gabinete, mandaram-me sentar. O militar de serviço, após as apresentações, perguntou-me se eu era professor de filosofia. Respondi afirmativamente, assim mesmo à militar, afirmativo meu general. E vai ele sai-se com esta:
— Já leu Deleuze?
— Li, sim, meu capitão.
— Pode explicar-me o pós-estruturalismo, nunca consegui entender?
Estou tramado com isto, o sargento ou cabo ou coronel ou lá o que era tinha-me chamado à consulta para obter explicações à borla. Fiz o frete, mas bem o tramei. Falei-lhe de Deleuze adoptando conceitos de Derrida, trocando o pós-estruturalismo por noções de construcionismo. Fiquei a sentir-me mestre em sabotagem, supondo que numa guerra seria esse o meu papel. Vim para casa todo satisfeito, a imaginar as vergonhas que o comandante iria passar nos seus conflitos filosóficos quando disparasse as balas falsas por mim fornecidas.
Adiamentos sucessivos levaram a que cumprisse esse momento decisivo na vida de um homem-que-é-homem quando já era professor, partilhando em boxers corredores onde estavam, e isto é mesmo verdade, dois ou três alunos meus desse ano de 1997. Eram os mais burros, sublinhe-se. Prova disso mesmo foi o comentário de um deles: o professor fica mais giro de cuecas. Não eram cuecas, eram boxers. Adiante, que o momento alto da experiência estava por vir.
A certa altura, já depois dos testes psicotécnicos realizados, foram chamados três recrutas para consulta com psicólogo. Os nomes soaram nos altifalantes, toda a gente os ouviu. Um deles era um tipo todo platinado que trabalhava nas obras, tinha dado um trambolhão de um sexto andar que o deixou com próteses e parafusos espalhados pelo corpo todo. O outro apresentava-se tatuado dos pés à cabeça, piercings disseminados pelo rosto, umas argolas nas narinas que parecia um boi. Eu era o terceiro. Caramba, pensei, para o que havia de estar guardado, os burros dos alunos agora vão gozar comigo, amanhã chego à escola e chamam-me maluco, lá terei de explicar que uma pessoa não consulta psicólogos por ser maluca, mas por haver nela uma extrema sensibilidade que a distingue dos demais.
Quando entrei no gabinete, mandaram-me sentar. O militar de serviço, após as apresentações, perguntou-me se eu era professor de filosofia. Respondi afirmativamente, assim mesmo à militar, afirmativo meu general. E vai ele sai-se com esta:
— Já leu Deleuze?
— Li, sim, meu capitão.
— Pode explicar-me o pós-estruturalismo, nunca consegui entender?
Estou tramado com isto, o sargento ou cabo ou coronel ou lá o que era tinha-me chamado à consulta para obter explicações à borla. Fiz o frete, mas bem o tramei. Falei-lhe de Deleuze adoptando conceitos de Derrida, trocando o pós-estruturalismo por noções de construcionismo. Fiquei a sentir-me mestre em sabotagem, supondo que numa guerra seria esse o meu papel. Vim para casa todo satisfeito, a imaginar as vergonhas que o comandante iria passar nos seus conflitos filosóficos quando disparasse as balas falsas por mim fornecidas.
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