segunda-feira, 14 de março de 2022

JAMBANGLE (1957)

 


Seria de esperar outra curiosidade, não se desse o caso de nada haver a esperar daquela gente. Estavam entretidos a olhar-se ao espelho, deslumbrados com as próprias sombras, anos a fio de autodeslumbramento, venerando-se uns aos outros mesmo e sobretudo quando pareciam odiar-se, para que assim concentrassem em si as atenções de que eram absolutamente necessitados. O ar que respiravam era fétido, porém, por ser por eles respirado. Daí que houvesse quem se afastasse, na expectativa, talvez, de um pouco de gratidão, aquela que sempre devemos a quem mais que nós faz por que outros respirem com outros. Alguém pediu desculpa pelo atraso, desculpando-se pelo desinteresse. Mais-valia de ter ficado calado. Chegou porém o dia de clarificar posições. De um lado, os olhos revirados para dentro, as bocas salivantes e o estômago hiante das criaturas cheias de si mesmas. Do outro, um gosto cada vez maior de repousar entre os velhos como alguém que num centro de dia tece de manhã e à tarde a malha com que se protege do frio à noite. Já passaram séculos sobre o esquecimento, ficou o vazio das salas e a demora nas listas de espera. Reconhecer quem e o quê? Deformados, aperaltam-se para o banquete procurando disfarçar defeitos indisfarçáveis. Pintam o rosto numa desesperada tentativa de se mostrarem apresentáveis. Como julgá-los repugnantes se são apenas patéticos? E quando fingem saber dançar, nem patéticos, tão-somente ridículos.

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