segunda-feira, 21 de março de 2022

UM POEMA DE JOSÉ LUIZ TAVARES

 


SEGUNDA EPÍSTOLA

AOS POETAS DO MEU PAÍS

 

 

Acorda, absorto poeta;

tu que ao apagar das luzes

emudeces também

na fila de trás,

faz-te agora à pedra e ao pau,

por saberes que este mundo mau

é do lobo e do lacrau,

e o tempo admonitório

te espreita, poeta,

e por tropos que alinhaves,

pressagos, escapas à íngreme derrota.

 

Toma nota:

onde golfa, claro, o sangue do extermínio,

acolhe-se também a mais subtil ilusão,

que incuba a dúvida, finta a razão

lapidada do lado onde a vida dessangrara

e a temeridade esteve a soldo

duma negra glória.

 

É a descer, poeta,

que te dás conta como estreitas

são as veredas e enganosos os sinais,

mas desembocas onde não se leiloa

a reparação, pois a desova do terror

constelou cada pedra do teu ser.

 

Desce agora mais fundo, poeta:

o tempo exige que afeiçoes a lâmina

à intérmina rebentação do murmúrio

inevitável. Não compres o conforto

do silêncio, poeta, nem que o olvido

              se encarnice sobre gerações

              de danados, ou o deus acenda flashes

para a tua restrita glória;

 

é cedo, poeta, que o teu empenho

assinala o sangue dos séculos

(desses que em desabrido rasgão

 imprimem sobre a tua pele a precoce

vocação para o desmoronamento)

e a demorada luz te diz que agora

termina o exílio,

 

porque, entre infinitas ruínas,

entrançados os vínculos

que o terror cindiu, guardaste

as últimas palavras desses

que atravessaram as águas do verde

cabo para a pátria que há-de ser.

 

 

José Luiz Tavares

1 comentário:

Marina Tadeu disse...

Talvez a pátria que há-de ser não tenha nações mas essa é outra conversa. O texto que te mando abaixo começa com a pergunta: como devem os poetas reagir à guerra? Começa pelo caso do Yeats que primeiro achava que o melhor era ficar calado e depois…

https://www.poetryfoundation.org/articles/69902/100-years-of-poetry-the-magazine-and-war