Do caralho seria cortarmos uma fatia do ar que respiramos para distribuí-lo pelos nossos inimigos. Ou enviar pelos CTT uma sombra às postas, acompanhada de receita para churrasco no Verão. Isso é que era. Infelizmente, não temos inimigos. Portanto nada feito. Deixei de ter inimigos ao abandonar seus padecimentos, voltando-me para a música de Lennie Tristano e Warne Marsh enquanto aguardo pela inspiração com as portas e as janelas de casa escancaradas. Também não tenho amigos, o que me poupa imenso nas mensagens de Natal. Tenho gente das 13 às 24 nos ponteiros de um relógio, gente ocupada consigo mesma, desatenta e desinteressada. Não me queixo, gosto de me sentar sozinho nas esplanadas a fazer festas à cadela enquanto o tempo acompanha a lentidão do café a escorrer pela garganta. Prefiro desenhar amigos e inimigos em papéis velhos que depois amarroto e misturo com cola de sapateiro, espalhando-os aos bocados pela superfície de uma tela que drapejarei com óleos multicoloridos. Tenho família, mas também dispensaria tamanhos percalços se em troca me servissem diariamente carnes em vinha d’alho. Ao preço a que está a vida e a incompetência para suportá-la, não é de evitar nenhum tipo de negócio. Graças a Deus ainda me sobram tímpanos atentos em ouvidos saudáveis capazes de decifrar cada uma das notas tocadas pelo contrabaixista Ben Tucker no solo de Tschaikovsky’s Opus #42, Third Movement, mesmo que quede surdo e mudo face às incursões interesseiras de familiares, amigos e inimigos erráticos como aves migratórias.
1 comentário:
Assim de uma forma muito geral, o ser humano tem chegado mais longe na música do que nas letras. Excelente álbum.
Abraço.
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