segunda-feira, 29 de agosto de 2022

BOCA A BOCA

 


   A partir de certa altura Van Gogh deixou de dar ouvidos a toda a gente.
 
   Todos os anos tenho vindo a prometer a mim próprio não beber mais. Tenho cumprido. Continuo a beber o mesmo.
 
   Um dia o Samuel Beckett chegou a casa a altas horas da madrugada e a mulher, não lhe encontrando nenhum cabelo no casaco, acusou-o de andar com uma cantora careca.
 
   A 2 de Agosto de 1439, curiosa e exactamente quinhentos anos antes do meu nascimento, três estranhas embarcações tripuladas por índios chegaram às costas do Alentejo e tomaram posse das terras descobertas.
   Ignoram-se os motivos, embora se possa atribuir ao carácter dos naturais da região, mas a verdade é que ninguém lhes ligou nenhuma e decepcionados, tristes e de penas caídas, os descobridores regressaram às Américas.
   Uma vez mais a nossa indiferença atrasava em muitos anos a instalação das mais diversas multinacionais.
 
   Conheci um homem de inteligência rara. Tão rara que era extraordinariamente difícil encontrá-la.
 
   Um jornal publicou uma notícia que eu sabia que não era verdade. A verdade é que não sei que notícia era nem sequer de que jornal se trata.
 
   Tentei ler a lista telefónica e desisti a meio:
      1.º Tinha muitas personagens.
      2.º Sabia a morada delas todas.
      3.º A ordem alfabética é uma forma já muito vista.
      4.º A intriga era exposta de uma maneira muito esquemática.
      5.º O mordomo não podia deixar de ser o assassino.
 
   Durante um bom par de anos estudou o esquecimento humano. Quando finalmente chegou a uma conclusão, esqueceu-se do resultado.
 
   Conheci um homem que a mulher deixou e passado pouco tempo regressou apenas por não suportar a ideia que ele tivesse ficado feliz.
 
   Poderia ser que não fosse louco de todo, mas a verdade é que o facto de meter o cigarro no ouvido e pedir lume deixava sempre toda a gente perplexa.
 
   Na maioria das vezes, como fala caro um fala barato…!
 
 
Pedro Bandeira-Freire (1939-2008), in “Boca a Boca”, Quetzal, Novembro de 1998. 

Sem comentários: