Esta noite sonhei com uma espécie de arca de Noé carregada de corações depositados e conservados em frascos de formol. Lá foram os corações de todos os reis, rainhas, príncipes, princesas, nobres, aristocratas, padres, bispos, cardeais, presidentes e ministros, deputados e etc., a caminho de Brasília. Uma comitiva de corações portugueses embalsamados, levados da Irmandade da Lapa para as terras de Bolsonaro, abençoados pela Igreja Universal do Reino de Deus e sua sucursal católica apostólica romana, mais uns tipos da Opus Dei, todos muito sinistros, a conspirar no convés da caravelarca. O problema é que, a dado momento, durante o culto de irmão Lázaro, abençoado seja o Senhor, o pastor Edir excedeu-se e activou os corações como quem tem o comando de uma smart TV e a liga. Desataram todos numa palpitação danada no interior dos frascos, um chavascal de vidro a bater em vidro na capital brasileira, dezenas de milhares de corações palpitantes acordados de sonos mais ou menos antigos como múmias renascidas. Porra. E não é que salta a tampa a um frasco, o coração sai de lá, liberta-se, e enceta um discurso à nação do mais ordinário que imaginar se possa. Era o Cavaco. Ó que diabo, mas esse já morreu? Perguntou o Bolsonaro, com ar de espanto, ao pastor Macedo. Morto, vivo, vai dar ao mesmo, respondeu o pastor. Nem sempre falam errado. E nisto começam a saltar tampas por todos os lados, os corações aos pulos pareciam pichardos a galgar dimensões espirituais. Logo se ouviu o coração Sócrates, o Marinho e Pinto, o Major Valentim (este cantava Ban, para desgraça dos demais, que lamentavam vir de novo ao mundo para aquilo), e o coração Salazar também piava, num tom muito monocórdico que ninguém compreendia, excepto Teresa de Leão, mãe de Afonso Henriques, que lhe admirou deveras os dotes oratórios. Enfim, quando já todos os corações andavam à solta como enxames de pulgas, chegou o presidente Marcelo, de corpo inteiro e disse: "Eis a prova de que os portugueses são os melhores dos melhores do mundo. Eu pergunto-me: mas não era isso que deveriam esperar? Não somos nós os melhores dos melhores do mundo? Com todo o respeito pelos nossos amigos alemães e também espanhóis, nós portugueses somos os melhores e, por isso, não admira que aqui estejam os melhores a fazer o melhor. Para mim, não é surpresa. Se não fôssemos os melhores, eu não tinha tanto orgulho quanto tenho em ser Presidente de todos os portugueses”, afirmou. Vai nisto chega Putin e manda-o calar-se. Zelensky não se fez rogado e mandou Putin baixar a bolinha. A cerimónia estava estragada, os corações regressaram aos frasquinhos. Excepto um, o de D. Pedro IV. Tinha sido comido por um pointer inglês. Ana Gomes assistia a tudo enfardando pipocas doces. Foi a sua imagem a lamber os dedos que me despertou.
domingo, 21 de agosto de 2022
FORMOL
Esta noite sonhei com uma espécie de arca de Noé carregada de corações depositados e conservados em frascos de formol. Lá foram os corações de todos os reis, rainhas, príncipes, princesas, nobres, aristocratas, padres, bispos, cardeais, presidentes e ministros, deputados e etc., a caminho de Brasília. Uma comitiva de corações portugueses embalsamados, levados da Irmandade da Lapa para as terras de Bolsonaro, abençoados pela Igreja Universal do Reino de Deus e sua sucursal católica apostólica romana, mais uns tipos da Opus Dei, todos muito sinistros, a conspirar no convés da caravelarca. O problema é que, a dado momento, durante o culto de irmão Lázaro, abençoado seja o Senhor, o pastor Edir excedeu-se e activou os corações como quem tem o comando de uma smart TV e a liga. Desataram todos numa palpitação danada no interior dos frascos, um chavascal de vidro a bater em vidro na capital brasileira, dezenas de milhares de corações palpitantes acordados de sonos mais ou menos antigos como múmias renascidas. Porra. E não é que salta a tampa a um frasco, o coração sai de lá, liberta-se, e enceta um discurso à nação do mais ordinário que imaginar se possa. Era o Cavaco. Ó que diabo, mas esse já morreu? Perguntou o Bolsonaro, com ar de espanto, ao pastor Macedo. Morto, vivo, vai dar ao mesmo, respondeu o pastor. Nem sempre falam errado. E nisto começam a saltar tampas por todos os lados, os corações aos pulos pareciam pichardos a galgar dimensões espirituais. Logo se ouviu o coração Sócrates, o Marinho e Pinto, o Major Valentim (este cantava Ban, para desgraça dos demais, que lamentavam vir de novo ao mundo para aquilo), e o coração Salazar também piava, num tom muito monocórdico que ninguém compreendia, excepto Teresa de Leão, mãe de Afonso Henriques, que lhe admirou deveras os dotes oratórios. Enfim, quando já todos os corações andavam à solta como enxames de pulgas, chegou o presidente Marcelo, de corpo inteiro e disse: "Eis a prova de que os portugueses são os melhores dos melhores do mundo. Eu pergunto-me: mas não era isso que deveriam esperar? Não somos nós os melhores dos melhores do mundo? Com todo o respeito pelos nossos amigos alemães e também espanhóis, nós portugueses somos os melhores e, por isso, não admira que aqui estejam os melhores a fazer o melhor. Para mim, não é surpresa. Se não fôssemos os melhores, eu não tinha tanto orgulho quanto tenho em ser Presidente de todos os portugueses”, afirmou. Vai nisto chega Putin e manda-o calar-se. Zelensky não se fez rogado e mandou Putin baixar a bolinha. A cerimónia estava estragada, os corações regressaram aos frasquinhos. Excepto um, o de D. Pedro IV. Tinha sido comido por um pointer inglês. Ana Gomes assistia a tudo enfardando pipocas doces. Foi a sua imagem a lamber os dedos que me despertou.
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