Nunca gostei de Platão, talvez por julgá-lo apenas um bom
discípulo dedicado. Se ser discípulo é mau, sê-lo dedicadamente ainda é
pior. O que sabemos do pensamento de Platão? O que ele meteu na boca de
Sócrates. Por outro lado, é redentor que tenha escrito versos. Contra o determinado
nesse diálogo conhecido por “A República”, que a bem da verdade expulsava a
“poetaria” da cidade ideal, o homem escreveu versos. O que julgaria Sócrates
dos versos de Platão? Há porém uma parte que me interessa muito nesse livro
esmiuçado nas aulas de filosofia política. É aquela em que se defende a mentira
útil. Um achado! Então a mentira pode ser útil à verdade? Ó diabo. Nobre
mentira, diziam eles: «como arranjaremos maneira de, com uma nobre mentira,
daquelas que se forjam por necessidade, e de que há pouco falávamos, convencer
disso, sobretudo os próprios chefes, e, se não for possível, o resto da
cidade?» Li há pouco no The Guardian que os tipos da NSA (Agência de Segurança
Nacional dos EUA) mexeram os cordelinhos junto da congénere britânica para impedirem
as revelações de Edward Snowden, do mesmo modo que vêm silenciando Julian
Assange. Nós por cá temos sido deveras complacentes com este tipo de actuação,
como recentemente se observou a propósito do melhor modo de abordar
jornalisticamente a guerra em curso na Ucrânia. É calando a versão de uma das
partes, claro. A bem da verdade, as mentiras ucranianas são todas bem-vindas
contra as mentiras russas. Esta legitimação da mentira vem de uma obra de
Platão, curiosamente uma obra sobre a busca da verdade, a verdade ela mesma, um
ideal de cidade erguido sobre os pilares, pelos vistos flexíveis, da verdade.
Platão deixou muito disparate para a posteridade. Como aquela conversa acerca
do amor. Sem desprimor para o que nos legou de positivo, obviamente. Como os
fundamentos de um pensamento feminista. Mas isso deixarei ao cuidado das
feministas que leiam Platão.
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