domingo, 28 de agosto de 2022

MENTIRA ÚTIL

 
Nunca gostei de Platão, talvez por julgá-lo apenas um bom discípulo dedicado. Se ser discípulo é mau, sê-lo dedicadamente ainda é pior. O que sabemos do pensamento de Platão? O que ele meteu na boca de Sócrates. Por outro lado, é redentor que tenha escrito versos. Contra o determinado nesse diálogo conhecido por “A República”, que a bem da verdade expulsava a “poetaria” da cidade ideal, o homem escreveu versos. O que julgaria Sócrates dos versos de Platão? Há porém uma parte que me interessa muito nesse livro esmiuçado nas aulas de filosofia política. É aquela em que se defende a mentira útil. Um achado! Então a mentira pode ser útil à verdade? Ó diabo. Nobre mentira, diziam eles: «como arranjaremos maneira de, com uma nobre mentira, daquelas que se forjam por necessidade, e de que há pouco falávamos, convencer disso, sobretudo os próprios chefes, e, se não for possível, o resto da cidade?» Li há pouco no The Guardian que os tipos da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) mexeram os cordelinhos junto da congénere britânica para impedirem as revelações de Edward Snowden, do mesmo modo que vêm silenciando Julian Assange. Nós por cá temos sido deveras complacentes com este tipo de actuação, como recentemente se observou a propósito do melhor modo de abordar jornalisticamente a guerra em curso na Ucrânia. É calando a versão de uma das partes, claro. A bem da verdade, as mentiras ucranianas são todas bem-vindas contra as mentiras russas. Esta legitimação da mentira vem de uma obra de Platão, curiosamente uma obra sobre a busca da verdade, a verdade ela mesma, um ideal de cidade erguido sobre os pilares, pelos vistos flexíveis, da verdade. Platão deixou muito disparate para a posteridade. Como aquela conversa acerca do amor. Sem desprimor para o que nos legou de positivo, obviamente. Como os fundamentos de um pensamento feminista. Mas isso deixarei ao cuidado das feministas que leiam Platão.

Sem comentários: