SENHOR
Livra-me dos chatos e Te agradecerei, ó Senhor. Rouba-me o dinheiro, enterra-me em cada dedo a Tua unha encravada, mata-me de morte lenta e dolorosa, mas livra-me dos chatos. Há chato demais, Senhor, nesta Tua cidade. De piolhos cobre-me a cabeça, esconde o meu óculo, Senhor, mas livra-me dos chatos.
Eles podem mais que Teu rum da Jamaica, que Teu éter sulfúrico. De Curitiba fugiram os Teus anjos, Senhor, e se fugiram, eles que eram anjos, que será de mim?
Tuas pestes, Senhor, não afetam os chatos, são intocáveis ao Teu dedo? A menina de três anos estuprada por Clauidonei eu Te perdoo, Senhor, a Valquíria que embebeu as vestes em álcool e ateou fogo eu Te perdoo, as duas senhoras Lucinda e Perciliana que se engalfinharam durante a missa na Tua catedral, eu Te perdoo porque Te entendo, Senhor.
Não Te entendo, ó Senhor, por que respeitas a eles, que são chatos. Por sua culpa já perdido o mel no lábio da virgem. Estragam ainda na xícara o gosto do café. Azedam o leite no seio da mulher grávida.
Endureceste o coração contra mim: sou eu Faraó e são os chatos Teu povo? Não me poupes, Senhor, entre os malditos é meu lugar. Sacode-me com Tua mão pesada, eu Te abençoo. Arrasta-me na cinza como fizeste com Jó. Ah, os amigos que mandaste a Jó não eram três chatos, Senhor?
Dalton Trevisan, in Mistérios de Curitiba, Editora Record, 1.ª edição, 1968, 6.ª edição, revista, 2014, pp. 58-59.
Sem comentários:
Enviar um comentário