segunda-feira, 24 de outubro de 2022

FAXINEIRAS

 
Essa coisa a que chamam "meio literário" (gente fina diz métier) não me interessa minimamente, pelo que é sempre com enfado que assisto à maioria das polémicas entre escritores. Só muito raramente não são discussões completamente estéreis, ateadas pelas piores razões: antipatias geradas por motivos tão fúteis como uma crítica mal digerida ou uma recusa que custa aceitar. É difícil ouvir um não. Representam pouquíssimo os escritores, menos ainda num país com 61% de não-leitores. Poucos são os que compram livros, menos os que lêem. Direitos de autor raramente são pagos e as editoras passam a vida a queixar-se de distribuidores que chamam caloteiros aos livreiros. Alguém há-de ganhar alguma coisa com o negócio, quase nunca os unhas-de-fome conhecidos por escritores. Portanto, as guerras entre estes têm o ridículo acrescido da aposta miserável, do jogo a feijões, da ninharia, quando não apenas de vaidades pueris em egos inflamados. Nos cães que lutam por um osso ainda resta aquela dignidade instintiva do tudo ou nada, coisas de liderança entre matilha. Entre escritores é tudo o grotesco irrisório da parangona, do elogio interesseiro, o que há de mais desprezível numa humanidade desde sempre distribuída por meia dúzia de senhores para uma multidão de escravos subservientes e bajuladores. Os tontos que agitam bandeiras de purificação têm piada, assim como as crianças na praia a despejarem continuadamente água salgada em buracos de areia. Uma perda de tempo que os entretém a eles e a quem se divirta mais com essas coisas do que com a concretização de projectos. Regra geral, salvo raríssimas excepções, os zeladores estão sempre deveras zangados com os outros e satisfeitíssimos consigo mesmos, exigem aos outros o que nem por sombras exigem a si próprios, fazem tudo ao contrário do que aconselhava Adriano: cultiva virtudes em vez de perderes todo o tempo a censurar vícios. Têm graça, esses tipos, até se tornarem chatos, tornam-se desgraçadamente chatos quando se começam a achar graça. Penso neles como alguém que, de botins enlameados, tenta limpar o chão com uma esfregona. Esquecem-se de descalçar as botas e deixá-las à porta, acabando a limpar sem termo nem sucesso o que prontamente conspurcam.

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