sexta-feira, 11 de novembro de 2022

DON’T MESS WITH ME (1971)

 


Tudo me cansa e enfastia, o sol e a chuva, o mar e a terra, os homens, sobretudo os homens. Já não há paixão entre os homens, o amor deu cabo da paixão, o amor exterminou a paixão, a paixão é um animal em vias de extinção. Escapa a cadela. Não há trabalho capaz de animar esta vontade esmorecida, nenhum estímulo pelo qual valham a pena os mínimos esforços. Ontem, as ondas sucedendo-se umas às outras. Hoje, criaturas imberbes, empoladas de orgulho e sem pingo de humildade, assoberbadas no culto da pior das ignorâncias. A pior das ignorâncias é aquela que se ignora a si mesma. E os deprimidos, meu deus, os deprimidos, que cansaço dos deprimidos. Se querem um conselho, protejam-se dos deprimidos, dos tristonhos, dos melancólicos, protejam-se inclusive das sombras que essa gente expele empestando tudo à sua volta. Há que rir desgraçadamente desta desgraça. Impiedosamente. Hoje, as ondas sucedendo-se umas às outras. Hoje, um sono tremendo incapaz de se satisfazer. Meto a tocar um CD de Richard Groove Holmes, fervo água para um chá de menta, sento-me a beber o chá e a olhar para as paredes. Pedem limpeza. Devia ter mais paciência para limpezas, limpar de uma vez por todas as sombras projectadas nas paredes. Há dias sonhei com alguém que esfregava, esfregava, esfregava insistentemente tentando apagar a sombra de uma lâmpada projectada numa parede. Só quando falhou a luz deu por completo o trabalho. Mas logo a luz regressou. Está tudo por fazer, tudo ao contrário. Menos mau. Entretanto, a água do chá ainda há pouco fervia. Agora já está fria.

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