quinta-feira, 3 de novembro de 2022

EMBOTAMENTO

 


(Nino Longobardi)

   Na viragem do século XIX para o século XX, a convicção de que o mundo progredia para um paraíso terrestre foi abalada pela dúvida. Guerras violentas e absurdas por todo o planeta, a vertiginosa destruição do ambiente natural devido aos resíduos tóxicos industriais, o crescimento descontrolado — como um cancro — das vias de comunicação, as catástrofes tecnológicas de dimensões imprevistas e com proporções apocalípticas, como os acidentes nucleares de Seveso, Bophal e Chernobyl, o facto de um terço da humanidade passar fome ou morrer de fome, enquanto um quinto vive com esbanjamento, a crescente agressividade nas relações humanas — estes e outros factos fizeram vacilar a inabalável crença no progresso. Os omnipresentes mass media — eles próprios fruto da era tecnológica — trazem a nossas casas, dia após dia, as notícias destes horrores. É indubitável que os mass media aumentaram o grau de informação sobre todos estes assuntos, mas também é verdade que fizeram embotar a sensibilidade e a capacidade de percepção das pessoas, tendo-se a maioria delas habituado ao facto da sua existência física se encontrar sob constante ameaça e, enquanto não forem elas próprias atingidas, não sentem que isso lhes diga respeito. Um reduzido número de pessoas tem consciência do perigo e, para despertar as atenções, tem de recorrer — por estranho paradoxo — aos mesmos meios que provocam o embotamento da sensibilidade. Devido a isso, a realidade reproduzida mecânica e electronicamente surge, a muitas pessoas, como uma espécie de espectáculo teatral, mais excitante do que a vida quotidiana e do que as obras de arte.

Klaus Honnef, in Arte Contemporânea.

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