No dia em que Mimi Parker faleceu sonhei que os prédios
eram erguidos para baixo. Quero dizer, em vez de os erguerem na direcção do
céu, afundavam-nos na direcção da crosta terrestre. Eu morava num décimo
terceiro andar com vista para um lençol freático. A chatice era não poder abrir
janelas. Quem quisesse espreitar a paisagem do mundo tinha de subir à cave do
prédio, a qual ficava à superfície, onde é costume ficarem eirados, sótãos e
terraços. Era aí que algumas pessoas se sentavam em cadeiras de praia a
observar o curso das nuvens, a sentir o vento no rosto com os olhos pousados em
ramos de árvores despidas. Era quase sempre inverno ou outono, por vezes era
outono no inverno, outras vezes era inverno no outono, mas por vezes também o
céu abria e uma luz muito forte trespassava as nuvens exibindo-se como uma
aparição. Eu tinha a minha própria cadeira, gostava de me recostar nela a ouvir
Low com auscultadores nos ouvidos. No dia em que Mimi Parker morreu ouvia-a
cantar “Below & Above” no meu sonho e abriu-se-me uma janela nos olhos. Uma
brisa a cheirar a terra varreu-me as pálpebras do sono, acordei. No telemóvel,
a notícia de que Mimi Parker fora vencida pelo cancro nos ovários.
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