sábado, 5 de novembro de 2022

MIMI PARKER (1967-2022)

 


No dia em que Mimi Parker faleceu sonhei que os prédios eram erguidos para baixo. Quero dizer, em vez de os erguerem na direcção do céu, afundavam-nos na direcção da crosta terrestre. Eu morava num décimo terceiro andar com vista para um lençol freático. A chatice era não poder abrir janelas. Quem quisesse espreitar a paisagem do mundo tinha de subir à cave do prédio, a qual ficava à superfície, onde é costume ficarem eirados, sótãos e terraços. Era aí que algumas pessoas se sentavam em cadeiras de praia a observar o curso das nuvens, a sentir o vento no rosto com os olhos pousados em ramos de árvores despidas. Era quase sempre inverno ou outono, por vezes era outono no inverno, outras vezes era inverno no outono, mas por vezes também o céu abria e uma luz muito forte trespassava as nuvens exibindo-se como uma aparição. Eu tinha a minha própria cadeira, gostava de me recostar nela a ouvir Low com auscultadores nos ouvidos. No dia em que Mimi Parker morreu ouvia-a cantar “Below & Above” no meu sonho e abriu-se-me uma janela nos olhos. Uma brisa a cheirar a terra varreu-me as pálpebras do sono, acordei. No telemóvel, a notícia de que Mimi Parker fora vencida pelo cancro nos ovários.

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