segunda-feira, 28 de novembro de 2022

NEW’S FOR LULU (1957)

 


A lei do direito ao esquecimento não está a ser cumprida, é preciso actuar quanto antes pelo direito ao esquecimento. Um homem deve poder apagar-se até dele não sobrar rastro. Mais de dois milénios a pensar o amor, a escrever sobre Deus, a descrever o quotidiano, a elogiar a vida no campo, a sublimar a vida na cidade, a explorar o sexo e a morte em odes e elegias e cantigas e sonetos, para isto? O tempo não está a cumprir a sua principal função, devia haver um movimento geral de insurreição contra o tempo. A principal função do tempo é apagar-nos, o tempo tudo cura, o tempo deve curar-nos de nós próprios, cabe ao tempo passar uma borracha sobre o assunto, sobre este assunto que somos nós para nós. Só quando o mundo se unir contra o tempo é que isto terá solução. Até lá, a memória ficará registada e a impressão digital perdurará em textos, fotografias, ficheiros, gavetas cheias de papéis, pastas cheias de ficheiros, o nosso cheiro como um rastro reconhecido por insuportáveis caninos pisteiros. O direito ao esquecimento está a perder para o dever da preservação da memória e isso é inaceitável. Não podemos compactuar com este estado de coisas, temos que actuar quanto antes ou depois será demasiado tarde. Queimemos tudo, peguemos fogo a tudo, imolemos quanto antes o lixo de que somos feitos, deletemos o vídeo caseiro, o arquivo digital, a página on-line, a chave móvel, há que apagar os próprios vestígios que sempre sobram quando apagamos qualquer coisa. A nossa extinção absoluta é impreterível. A bem da memória, esqueçamo-nos.

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