Não compreendo a cólera de Aquiles, a desonra que o
motiva é de um ressentimento insuportável. Nada deve à ganância de Agamémnon. Mais do que
as virtudes, o que define estes heróis é o vício. São invejosos e deixam-se
tomar pela ira sem mostrarem o mínimo escrúpulo diante da arrogância que causa
vítimas. Apossavam-se das mulheres dos inimigos e trocavam-nas por resgates
como quem vende gado. Se por vezes se tomam de boas intenções, são quase sempre
insensatos e estupidamente orgulhosos. Passam o tempo em banquetes e sacrifícios
a deuses completamente arbitrários que se divertem com as pelejas dos mortais,
deuses pândegos, jocosos, marionetando os humanos que se comportam como títeres:
«Aos Troianos incitava Ares, aos Aqueus, Atenas de olhos garços.» Incitados,
manipulados, eles guerreiam uns com os outros em refregas e liças sem fim. Só a
posteridade lhes interessa. «Assim como a linhagem das folhas, assim é a dos
homens. Às folhas, atira-as o vento ao chão; mas a floresta no seu viço faz
nascer outras, quando sobrevém a estação da primavera: assim nasce uma geração
de homens; e outra deixa de existir.» Mas os deuses não aceitam todas as
preces, são caprichosos, zelosos da fama, traem-se uns aos outros com homens e
mulheres semidivinos, jogam xadrez com humanos de membros deslassados, emaranham-se
em ambivalências iludindo-se uns aos outros, são prestidigitadores. Sendo
imortais, não são omniscientes. Sendo omniscienteS, não são omnipresentes. Têm
ofícios humanos tais como forjar escudos e lanças e elmos. Mas quase tudo neles
é lúdico, mesmo quando obnubilam o espírito dos imortais para os iludirem. Os
Deuses gregos são fantasmas. Nisso, nunca foram diferentes de nós.
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