Lá na terra, nos idos da adolescência, tinha outra designação aquilo a
que na escócia chamam square-go e os Artistas Unidos traduziram por “Taco a
Taco”. Para ser exacto, não era uma designação. Era antes a expressão de um
código subentendido no modo de dizer. Alguém dizia “lá fora falamos” e toda a
gente compreendia a promessa de porrada. Também havia ajuntamentos, como sempre
sucede nestas situações, malta reunida em círculo para assistir à luta de galos
(homens são bípedes sem penas, não é Diógenes?). Hoje, estamos cansados de o
ver, acrescentam-se aos incentivos vindos da plateia os telemóveis apontados à
contenda. O público da pancadaria grava e partilha no YouTube ou noutra rede
social qualquer, pelo que a bulha adquire um significado de espectáculo que
ultrapassa as fronteiras do happening localizado.
Lá fora falávamos aos murros e pontapés e a coisa ficava por ali. Fora da escola, para evitar processos disciplinares e trabalhos com auxiliares de acção educativa, contínuos, etc. Agora não fica por ali, o ajuste de contas sugerido pelo square-go alcança uma animação quase cinematográfica. Vemos os vídeos e repugnam-nos mais os tipos que filmam e nada fazem do que a medida de forças entre agressores e vítimas. Nestas coisas tem sempre de haver um agressor e uma vítima.
No bullying, outra palavra muito moderna para traduzir formas continuadas de humilhação, há aquele que humilha, o agressor, e o que é humilhado, a vítima, pelo que extravasamos o terreno de guerra onde quem está dá e leva. Na peça que ontem vi, este terreno tem a configuração de um wrestling ring. Bem sabemos quanto há de encenação nesses espectáculos com heróis de carne transfigurada em borracha. Lembram-se do filme de Darren Aronofsky, com Mickey Rourke?
Pois bem, a peça dos escoceses Kieran Hurley e Gary McNair que Pedro Carraca encenou transporta-nos directamente para o lugar mais repugnante, o do público da violência, cheerleaders da crueldade, o das claques. Somos chamados a intervir, a participar num jogo que sabemos inofensivo, sem escapar a dado momento ao desconforto de nos vermos na pele de bullies. Creio ser este o ponto em que o espectáculo ganha uma força inesperada, uma força que não se reduz à energia física até então observada nos diálogos entre Max e o seu melhor amigo.
Max vai iniciar-se no square-go, o segundo é o comparsa onde buscamos coragem para enfrentar o inimigo. No meio da conversa viva, tingida de provocações, bocas, piadas que a espaços resvalam para a comédia stand-up, ficamos a saber do passado e do presente das personagens. Todas elas têm um passado que explica o presente, o que não as isenta de responsabilidade por serem quem e o que são. O passado condiciona, não determina. Podemos inflectir, escolher outros rumos, mudar. A liberdade tem as suas dores de parto.
Excelente trabalho dos actores Marco Mendonça e Tiago Dinis, alternando registos mais vigorosos com as fragilidades inerentes a quem sabe ter poucas chances de sucesso no problema em que se apanha envolvido. Mas fiquei a pensar nessa força inesperada que está para lá da energia física dividida entre ambos, a força que sobrevém da deslocação do público de um lugar de passividade para o lugar activo de agressor. É como se fôssemos chamados a calçar umas botas que julgávamos não nos servirem. Extrapolando os limites do palco de wrestling, a dúvida que se me impõe é sobre essa condição de espectador da violência. Um espectador inesperadamente promotor e, por isso mesmo, ele próprio violento. Fala-se hoje muito de empatia. Talvez “Taco a Taco” seja mais sobre isso do que qualquer outra coisa. Um desafio à empatia do espectador.
Lá fora falávamos aos murros e pontapés e a coisa ficava por ali. Fora da escola, para evitar processos disciplinares e trabalhos com auxiliares de acção educativa, contínuos, etc. Agora não fica por ali, o ajuste de contas sugerido pelo square-go alcança uma animação quase cinematográfica. Vemos os vídeos e repugnam-nos mais os tipos que filmam e nada fazem do que a medida de forças entre agressores e vítimas. Nestas coisas tem sempre de haver um agressor e uma vítima.
No bullying, outra palavra muito moderna para traduzir formas continuadas de humilhação, há aquele que humilha, o agressor, e o que é humilhado, a vítima, pelo que extravasamos o terreno de guerra onde quem está dá e leva. Na peça que ontem vi, este terreno tem a configuração de um wrestling ring. Bem sabemos quanto há de encenação nesses espectáculos com heróis de carne transfigurada em borracha. Lembram-se do filme de Darren Aronofsky, com Mickey Rourke?
Pois bem, a peça dos escoceses Kieran Hurley e Gary McNair que Pedro Carraca encenou transporta-nos directamente para o lugar mais repugnante, o do público da violência, cheerleaders da crueldade, o das claques. Somos chamados a intervir, a participar num jogo que sabemos inofensivo, sem escapar a dado momento ao desconforto de nos vermos na pele de bullies. Creio ser este o ponto em que o espectáculo ganha uma força inesperada, uma força que não se reduz à energia física até então observada nos diálogos entre Max e o seu melhor amigo.
Max vai iniciar-se no square-go, o segundo é o comparsa onde buscamos coragem para enfrentar o inimigo. No meio da conversa viva, tingida de provocações, bocas, piadas que a espaços resvalam para a comédia stand-up, ficamos a saber do passado e do presente das personagens. Todas elas têm um passado que explica o presente, o que não as isenta de responsabilidade por serem quem e o que são. O passado condiciona, não determina. Podemos inflectir, escolher outros rumos, mudar. A liberdade tem as suas dores de parto.
Excelente trabalho dos actores Marco Mendonça e Tiago Dinis, alternando registos mais vigorosos com as fragilidades inerentes a quem sabe ter poucas chances de sucesso no problema em que se apanha envolvido. Mas fiquei a pensar nessa força inesperada que está para lá da energia física dividida entre ambos, a força que sobrevém da deslocação do público de um lugar de passividade para o lugar activo de agressor. É como se fôssemos chamados a calçar umas botas que julgávamos não nos servirem. Extrapolando os limites do palco de wrestling, a dúvida que se me impõe é sobre essa condição de espectador da violência. Um espectador inesperadamente promotor e, por isso mesmo, ele próprio violento. Fala-se hoje muito de empatia. Talvez “Taco a Taco” seja mais sobre isso do que qualquer outra coisa. Um desafio à empatia do espectador.
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