Escrevi colos onde devia ter escrito
solos. Acto falhado. Estava a pensar na última vez que amei e me senti amado.
Tive medo. Fugi. Não ostensivamente, mas como fogem os cobardes. Fui-me
distanciando, afastando, imaginando como seria se tivesse sido diferente. Sempre
temi o amor, julgo, agora que penso nisso. Nunca o entendi sem paixão e é esse
predomínio da paixão sobre a racionalidade que me atemoriza e prende e tortura
e massacra. Se eu fosse Descartes, começaria por aqui: «Penso. Logo, sofro.» É
este o começo de tudo. Gostava de conseguir dizer adeus à razão antes de ser
ela a abandonar-me, deixando-me a sós com a loucura das suposições. Houve uma
altura em que não chorava. Ou chorava para dentro, em silêncio, como quem
deglute a própria dor. Por vezes comovo-me, mas é raro. Cada vez mais raro. E a
pessoas cansam-me tanto que prefiro imaginá-las irracionais quando as tenho por
perto. A minha casa é o labirinto onde me encerrei voluntariamente. Sei a
saída, conheço os recantos, posso saltar pela varanda com asas de cera. Por
enquanto não, ainda não chegou a minha hora. O que foi feito do amor que então
sentia? Devo tê-lo arrumado como a uma peça de roupa velha, bem dobrado, no
fundo de uma gaveta com bolas de naftalina. Por vezes sacudo-o para ver se as
traças o mantêm intacto. Depois volto a dobrá-lo e a arrumá-lo e nada sinto. Transformei
o amor numa dessas tarefas quotidianas que facilmente negligenciamos. Sou muito
mais cuidadoso com as horas de levar a cadela à rua do que com o amor.
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