domingo, 19 de março de 2023

HUM DRUM BLUES (1962)

 


Os domingos, em parte, são como as sextas e os sábados e as segundas e as terças. Começam com a cadela a abanar-me o sono. Tem as suas necessidades em horário definido, ela é que manda, ela é que sabe. Levanto-me e higienizo-me antes do passeio, não vá deparar-me com uma dessas rolas turcas que por aqui pululam e pousam nos beirais a cantar madrugadas. A caminhada matinal serve para meter pensamentos em ordem, um pouco como o banho, aquele momento de descontracção em que nos lembramos do que fizemos, do que ficou por fazer, do que devia ter sido feito mas foi adiado, do que é inadiável, do que urge cumprir ou urgiria não fossem os entraves, os obstáculos, os muros, as muralhas. Que correria, esta vida. Ainda ontem começou e já vamos a meio quase no fim. Uma pessoa sabe lá. Passeada a cadela, dou-lhe o pequeno-almoço com biscoito de premeio. Para mim é o mesmo de sempre, um copo de água para regar o deserto, um café para agitar taquicardias, pão torrado com manteiga para que o estômago não comece a queixar-se. É um queixinhas. Sabe Deus o que me tem feito sofrer. Dito isto, mãos à obra. Há aulas para planificar, livros para ler e reflectir, refeições para preparar, presses e preces, o edifício criativo a pedir acabamentos e requalificações e obras de manutenção. Ontem, por exemplo, deu-me para rever obra embargada desde 2018. Quero dizer, nunca esteve definitivamente embargada porque foi sendo estucada ao longo dos anos. A primeira vez que falei dela a alguém foi nesses idos, num dia de Novembro, e esse alguém já cá não está. Estou eu, sempre a contar pelos dedos da mão os dias que sobram. Uma coisa é certa: a cabeça não tem descanso. É uma fadiga. Sabe Deus o que me tem cansado. Agora estou aqui, nestes desabafos embalados por Sheila Jordan a cantar Hum Drum Blues de Oscar Brown Jr. Estou quase a morrer, já faltou mais, calma que depois passa. Ah, pois, dia do pai. Parece que é hoje, não é? Que divertido.

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